Igor Gielow
Faltam-nos papoulas
BRASÍLIA - Na terça-feira, correu o mundo a imagem de um cadete colocando a última das 888.246 papoulas vermelhas de cerâmica numa instalação na Torre de Londres. Cada flor representa um britânico morto na Primeira Guerra Mundial.
Como ocorre na civilização, mortos são lembrados --no caso, 11/11 marca o fim do conflito cujo início fez cem anos neste ano. Não sem polêmicas, como queixas sobre a estética limpinha de uma obra de arte sobre o morticínio, ou sobre dar caráter nacionalista a algo universal.
A flor, uma das poucas que sobreviviam na mixórdia deixada pela guerra de trincheiras, virou símbolo da dor do conflito no Reino Unido devido a um poema do canadense John McCrae, "Nos Campos de Flandres", que a descrevia crescendo entre cruzes. É onipresente em lapelas britânicas nesta época.
Nesta mesma terça foi divulgado o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, que conta 53.646 assassinatos em 2013. As guerras pós-11/9, para ficar num conflito atual, mataram ao menos 15 mil civis por ano até aqui no Afeganistão, Paquistão e Iraque, que somam uns 50 milhões de habitantes a mais que o Brasil.
Por aqui, sempre que se discute o flagelo, surgem os apóstolos da balela segundo a qual só a pobreza é a culpada de um lado, e o pessoal da borrachada, do outro. No meio do caminho, ficam os mortos.
Programas federais com Estados são ralos de verba, e a propalada integração ocorrida na Copa evaporou com o time de Felipão.
Escreveu McCrae em 1915, numa tradução livre: "Somos os Mortos. Há poucos dias, vivos,/sentíamos a aurora e víamos o brilho do poente,/amávamos e éramos amados, e agora estamos deitados/nos campos de Flandres".
Faltam símbolos para rememorar os mortos de nossa guerra diária. Talvez com isso começaríamos a nos preocupar com os que ainda caminham sobre os campos daqui.