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No quintal do Kremlin
O recrudescimento do conflito no leste da Ucrânia escancarou o fracasso das medidas adotadas por potências ocidentais com vistas a interromper as escaramuças no país.
Os combates entre o Exército ucraniano e os separatistas se espraiam pelas províncias de Donetsk e Lugansk; nas últimas três semanas, provocaram a morte de 224 pessoas --civis, na maioria--, de acordo com a ONU.
Enquanto isso, Europa e EUA acusam o presidente da Rússia, Vladimir Putin, de armar os insurgentes. Putin escamoteia sua participação e acusa Washington de favorecer o governo ucraniano.
Nessa babel, os fatos falam contra Moscou. Desde o começo do ano, segundo a Otan (aliança militar ocidental), centenas de equipamentos militares cruzaram a fronteira entre a Rússia e a Ucrânia.
Até agora, a crise vem sendo contornada por meio de negociações diplomáticas e sanções. Estas causaram danos sobre as finanças russas --perda de alguns pontos percentuais do PIB--, mas não parecem ter demovido Putin. Os desígnios do presidente russo, aliás, estão longe de ser claros.
O conflito, que já deixou mais de 5.000 mortos e quase 13 mil feridos, originou-se de disputas entre ucranianos pró-Ocidente e pró-Moscou em torno do estreitamento de laços com a União Europeia.
Em fevereiro do ano passado, o centro de Kiev se transformou num palco de guerra. Acuado, o líder ucraniano abandonou a capital; o Parlamento o destituiu e convocou eleições presidenciais.
Reagindo à queda do aliado, Putin alimentou grupos separatistas na Crimeia, região ao sul com maioria étnica russa. Sob protestos da comunidade internacional e com a autorização de um referendo controverso, Moscou anexou o território em março.
Em decorrência disso, movimentos semelhantes emergiram no leste do país, com o apoio velado do Kremlin. Até agora, no entanto, as potências ocidentais ainda não sabem quão longe Putin quer ir. Por essa razão, tampouco conseguiram avançar nas negociações.
Há uma certeza, todavia: devido à proximidade histórico-geográfica, Putin é o único líder com real influência sobre a cada vez mais sangrenta crise na Ucrânia.
Não se imagina que o Brasil possa interferir de fato nos rumos desse conflito, mas, participando de um bloco de países emergentes com a Rússia (Brics), deveria há muito tempo ter manifestado sua preocupação com o acúmulo de violações insufladas pelo Kremlin.