EDITORIAIS
Crimeia no limbo
Um ano depois de ter sido incorporada à Rússia, a Crimeia vive no limbo. Isolada da Europa pelas sanções impostas a Moscou, tem seu futuro anexado ao desenlace do conflito em curso no leste da Ucrânia, envolvendo separatistas apoiados pelo Kremlin, de um lado, e o governo de Kiev, respaldado por potências ocidentais, de outro.
Com uma população de maioria russa, a região esteve de fato mais ligada a Moscou ao longo dos últimos séculos. Sua reincorporação, no entanto, realizada em meio à crise política ucraniana, validada por um referendo feito fora dos marcos legais e sob pressão militar do país vizinho, jogou seus 2 milhões de habitantes em um incômodo cenário de incertezas.
Como mostrou reportagem desta Folha, a Crimeia sofre com inflação em alta e turismo em baixa. As crescentes dificuldades da economia russa e o forte isolamento internacional --num caso exemplar, o McDonald's deixou a península-- sugerem que uma recuperação mais acentuada levará tempo.
De positivo, ressalte-se que a região não registra confrontos violentos, ao contrário do que se passa mais ao norte. O conflito deflagrado por rebeldes logo após a anexação da Crimeia parece ainda distante de uma solução definitiva.
O leste ucraniano vive hoje sob um frágil acordo de cessar-fogo, constantemente interrompido.
Fiel a seu objetivo de não deixar o país vizinho gravitar em torno da União Europeia e da Otan (a aliança militar ocidental), o presidente da Rússia, Vladimir Putin, continua apoiando os separatistas pró-Moscou valendo-se da fronteira comum, sobre a qual Kiev não exerce praticamente nenhum controle.
Enquanto isso, a Crimeia tende a se parecer cada vez mais com outros locais onde existem conflitos congelados resultantes da desintegração da União Soviética --encraves russos sem reconhecimento internacional. São os casos da Transnístria, região separatista da Moldova, e da Abkházia e da Ossétia do Sul, na Geórgia.
As pouco mais de duas décadas do esfacelamento da União Soviética são um período muito curto. O desenlace do conflito na Ucrânia ajudará a responder se a região passa por acomodações decorrentes do fim de um império ou se a polarização da Guerra Fria ganhou de fato uma segunda vida.