Paulo Feldmann
Brasil deve taxar fortunas?
SIM
Mandar a conta para o andar de cima
Discute-se muito como zerar o rombo nas contas do país --o tal do ajuste fiscal. Algo entre R$ 70 e 80 bilhões é a quantia necessária para que o governo federal possa fechar as contas deste ano e começar a respirar a partir de 2016.
Só existem dois meios para atingir esse objetivo: ou se aumenta a arrecadação através de novos impostos, ou o governo corta na própria carne, diminuindo suas despesas --nas quais se incluem as de cunho social como Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida etc.
Qualquer dos dois caminhos contribui para piorar a recessão que se avizinha. E, numa recessão, cai o ritmo de atividade das empresas, que desta forma, se veem impelidas a demitir empregados.
Com menos gente trabalhando, cai o consumo e, consequentemente, cai a arrecadação. Isso é suicídio fiscal, não ajuste. Forma-se a bola de neve da queda de arrecadação impelida pela queda no emprego.
Está na hora de mandar a conta do ajuste para aqueles que têm mais e podem pagar essa conta.
Recentes projetos de lei propondo a taxação de fortunas estabelecem diferentes patamares para a tributação. Segundo um relatório do banco Credit Suisse divulgado em 15/10/14 por esta Folha (folha.com/no1532650), no Brasil existem 225 mil adultos que possuem patrimônio pessoal de mais de US$ 1 milhão (cerca de R$ 3,25 milhões).
Suponhamos conservadoramente que a média da riqueza desses indivíduos seja de US$ 1,5 milhão. Isso significaria um patrimônio total de 1,09 trilhão de reais. Um imposto de 4% apenas sobre essa riqueza daria ao governo uma arrecadação adicional de R$ 43 bilhões.
Há, ainda, muitas outras formas de taxar os grandes rendimentos e que não necessariamente passam por arrecadar em cima do patrimônio dos mais ricos.
Alguns países praticam elevadas taxas de impostos sobre altos salários e sobre os rendimentos no mercado financeiro das pessoas físicas; outros fazem recair os impostos sobre as heranças deixadas pelos mais abastados para seus descendentes.
Taxar mais e melhor as heranças também poderia contribuir --e muito. O Brasil ostenta uma das mais baixas alíquotas no mundo para o imposto sobre herança.
Aqui, o imposto sobre heranças, chamado de ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), é estadual; a alíquota é de apenas 4 %. Isso equivale a um décimo do praticado no Reino Unido, onde o imposto sobre herança é um dos tributos mais importantes.
Assim mesmo, em 2013, os governos estaduais arrecadaram R$ 4,5 bilhões de reais com o ITCMD. Se a alíquota fosse a mesma do Reino Unido teríamos tido uma arrecadação de R$ 45 bilhões.
Somando-se o hipotético imposto sobre fortunas a um novo imposto sobre heranças teríamos R$ 88 bilhões. É mais do que o ministro Joaquim Levy precisa --e não afeta a maioria da população.
Estaríamos aproveitando para corrigir a grande injustiça fiscal que reina em nosso país. No Brasil, a maior parte do que se arrecada é constituída de impostos indiretos --ICMS, ISS, Cofins etc.--, que oneram da mesma forma os mais ricos e os mais pobres. Nosso sistema tributário é injusto.
O que se arrecada com impostos diretos equivale a 2% do PIB, enquanto nos Estados Unidos, que também tem um percentual baixo, os impostos diretos são 8 % do PIB. A alíquota mais alta do imposto de renda no Brasil é de 27,5 %, enquanto na França é 50%.
Taxando os ricos e as grandes fortunas a presidente Dilma reverteria a historia econômica de um país onde as crises sempre foram resolvidas à base de maiores impostos para a classe média e corte nos gastos sociais para os pobres.