Ruy Castro
Simples assim
RIO DE JANEIRO - Quando "Último Tango em Paris", o filme de Bernardo Bertolucci com Marlon Brando, foi lançado com fogos em Paris, em dezembro de 1972, sabíamos que seria proibido aqui. Era o auge da ditadura, e a censura logo mandou o comunicado. Isso não impediu que, na revista semanal em que eu trabalhava, a "Manchete", déssemos capa e oito páginas sobre ele, inclusive com a descrição das cenas mais ousadas. Donde os brasileiros sabiam que "Último Tango" existia, do que se tratava e que não poderiam assisti-lo.
Duas semanas depois, em janeiro de 1973, deixei a "Manchete" para ser editor da "Seleções" em Lisboa. Portugal, claro, também era uma ditadura, e "Último Tango" estava igualmente proibido por lá. A diferença é que o povo português não sabia de sua existência. A imprensa não podia falar de um filme proibido, nem dizer que estava proibido --porque "não havia" censura em Portugal.
Já então, "Último Tango" estava interditado em dez países. Em fins de janeiro, o filme estreou em Londres, e seria um crime não ir assisti-lo. Por não ter com quem deixar nossa filha Pilar, de três anos, eu e minha mulher na época viajamos com ela. Como Pilar não podia entrar no cinema, a operação exigiu duas etapas: enquanto um ia ao cinema em Piccadilly, o outro brincava com ela num parque ali perto.
Vi e não entendi nem o entusiasmo, nem o escândalo. O filme era caótico e oco, com Brando dominando Bertolucci. As cenas de sexo eram gratuitas --a da manteiga provocou gargalhadas na plateia londrina. Era este o filme que, além de nós, os portugueses, espanhóis, mexicanos, chilenos, canadenses e tantos outros levariam anos para poder ver?
Hoje, 42 anos depois, o DVD de "Último Tango em Paris" está em oferta na Livraria da Folha, por R$ 16,90. Pode ser comprado por telefone. Simples assim.