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Reação irracional
Numa reação ao atentado contra o semanário satírico "Charlie Hebdo", realizado no começo de janeiro, a Assembleia Nacional da França aprovou nesta semana um pacote de leis antiterroristas que nada devem à chamada Lei Patriótica dos Estados Unidos, assinada na esteira do 11 de Setembro.
Para entrar em vigor, a norma francesa precisará do crivo do Senado, que, tudo indica, virá até o fim deste mês. A partir de então o governo poderá fazer o monitoramento em massa de dados telefônicos e de internet com a finalidade de detectar uma ameaça terrorista.
Autoridades também poderão recorrer a microfones, câmeras escondidas e programas de espionagem, além de utilizar o sistema de posicionamento global (GPS) com a finalidade de vigiar suspeitos.
O controle dessas operações ficará a cargo de uma comissão composta principalmente por magistrados e parlamentares, mas não passará de forma direta pela Justiça.
Entende-se, assim, por que partidos de oposição e associações pró-direitos humanos, entre outras organizações, condenam a iniciativa.
Os franceses, a exemplo do que fizeram os americanos há 14 anos, se perguntam quanto de liberdade vale a pena sacrificar em nome da segurança --agem, contudo, sob uma pressão política ditada antes pelas emoções do que pela razão.
O terrorismo, obviamente, precisa ser combatido com vigor. Os atentados não só miram inocentes mas também atingem princípios caros às democracias --no caso do "Charlie Hebdo", a liberdade de expressão terminou alvejada. Por sua natureza difusa, afeta o bem-estar de toda uma população.
Apesar das especificidades, o terrorismo precisa ser abordado de modo racional, como todo risco à sociedade. E, objetivamente, trata-se de fenômeno pouco mortífero.
No século 21, houve dez ataques na França, que deixaram 30 mortos (sem contar os autores) e 71 feridos. Na média, dois óbitos por ano numa população de 66 milhões.
Algo parecido vale para os demais países ocidentais. Mesmo nos EUA em 2001, o risco de morrer num atentado foi de 1 para 101 mil, bem menor que nos envenenamentos involuntários (1 para 22 mil).
Mesmo sendo pouco letal, o terrorismo levou os Estados Unidos, após o 11 de Setembro, a gastar mais de US$ 1 trilhão em programas de segurança.
É difícil, sem dúvida, encontrar uma reação equilibrada diante de ameaça tão perversa; não deixa de ser lamentável, mesmo assim, que a pátria dos filósofos do Iluminismo ameace trilhar a mesma e pouco iluminada rota dos EUA, caminho que os próprios norte-americanos já começaram a rever.