Estatais, a urgência de uma nova lei
Projeto apresentado no Senado parte do princípio de que uma lei federal é a única forma de proteger as estatais de governos interessados em ocupá-las
Apesar de não ter sido editada até hoje uma norma geral disciplinando a estrutura de governança das estatais, são diversas as determinações na Constituição de 1988 para que isso ocorra. Os episódios que vieram à tona recentemente deixam claro que a omissão legislativa quanto à governança das empresas estatais não foi adequadamente suprida pelas normas do Executivo, influenciadas por visões políticas de governo, e não de Estado.
É preciso tratar do tema, para dar resposta não só à sociedade, mas aos milhares de empregados daquelas empresas, espoliados pelo mau exemplo de seus superiores.
O projeto de lei apresentado pelo senador Aécio Neves na última quarta-feira (3) busca, fundamentalmente, lidar com a cultura de eficiência e de ética na gestão das empresas estatais, em vez de priorizar a sua organização formal.
De fato, não basta aplicar às empresas estatais os padrões de organização das sociedades privadas. Por um lado, as sociedades de economia mista são sociedades anônimas por força de lei (e as mais relevantes são companhias abertas, sujeitas à regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários).
No outro grupo, das 31 empresas públicas federais (de capital exclusivamente estatal), 12 organizam-se como sociedades anônimas.
O projeto parte do pressuposto de que não há empresa verdadeiramente bem gerida sem que a cultura da boa gestão esteja espalhada pelos seus diversos níveis e de que a ética empresarial é também uma questão cultural. Nos dois casos o projeto se preocupa em assegurar a qualidade dos líderes porque, para a formação da cultura, o exemplo de quem lidera é fundamental.
Por isso, o projeto estabelece na área da gestão obrigações e restrições, como a presença de ao menos 30% de conselheiros independentes no Conselho de Administração. Mesmo os conselheiros vinculados ao controlador deverão ter sido conselheiros ou diretores de companhias por, pelo menos, cinco anos, ou por, no mínimo, três anos, no caso de companhias abertas.
Não poderão ocupar cargos de direção ou de alta relevância em partidos políticos nem mandato eletivo ou de ministro de Estado, além de ter comprovada experiência em área do conhecimento relevante para os negócios da sociedade. Requisitos ainda mais agudos são impostos aos diretores das sociedades.
O projeto também determina a atribuição exclusiva a uma diretoria estatutária, subordinada ao Conselho de Administração, de competência de supervisão dos processos de contratação de produtos, serviços e pessoas e do cumprimento das normas de controle interno da empresa estatal (a chamada diretoria de "compliance"), além de comitês obrigatórios de remuneração e recursos humanos e financeiro.
Na área dos controles, o projeto reforça a obrigação de auditoria externa independente por empresa registrada na CVM, e da criação de um comitê de auditoria, composto apenas por membros independentes, e de uma diretoria de auditoria.
Quanto à prestação de contas, o projeto reforça a responsabilidade civil, administrativa e criminal dos administradores das estatais.
Na área da supervisão de condutas, a proposta estabelece a obrigatoriedade de um código de ética e conduta (e de um comitê responsável por sua aplicação) que estabeleça padrões de atuação para todos os colaboradores da estatal, compatíveis com as atividades de cada empresa, e com o tratamento das situações de conflito de interesse, risco de imagem e corrupção.
O projeto propõe, por fim, uma solução para o dilema histórico entre lucro e interesse público nas estatais. Prevê que, caso a opção seja pela captação de recursos de acionistas no mercado de capitais, esteja obrigada a buscar o lucro, como qualquer companhia aberta.
O governo continuaria podendo contratar programas e serviços das estatais, mediante compensação pelos custos incorridos, democraticamente inseridos no Orçamento.
O projeto de lei parte da ideia de que uma lei federal é a única e urgente maneira de proteger as estatais de governos que queiram ocupá-las. Com o ideal de estimular a eficiência e a ética naquelas empresas, para recolocá-las a serviço do Estado e da sociedade brasileira.