Antonio Delfim Netto
Protagonismo
A economia brasileira navega num mar desconhecido que tem a propriedade de tornar insegura a orientação da bússola conhecida, devido à dificuldade de estabelecer a resultante de inúmeras pressões contraditórias.
Enfrentamos as reverbações de ondas antigas que esconderam uma inflação reprimida da ordem de 3% a 4%. Agora combatemos seus efeitos de segunda ordem, supondo que o mercado ainda não absorveu pelo menos uma parte deles, apenas porque o IPCA não os registrava, o que é duvidoso.
Temos, por outro lado, a perspectiva de uma queda muito rápida do nível do emprego total. Quatro anos após sustentá-lo artificialmente no setor de serviços por meio de medidas salariais e monetárias para esconder a tragédia que a valorização artificial do câmbio estava gerando no emprego industrial, este retrocedeu ao nível de 2000.
A folha real de pagamentos da indústria registra queda há 16 meses. É a hora da verdade: o emprego no setor de serviços também começou a diminuir. Com a manipulação cambial que controla os "swaps" e o desemprego, ensaiamos uma espécie de "desinflação competitiva" cujos resultados (volta do crescimento e do emprego com controle da inflação) são muito lentos e geram grande insatisfação social. Seu êxito exige, obviamente, um ambiente de alta confiabilidade nas instituições que controlam o governo --Executivo, Legislativo e Judiciário--, condição que não temos.
Pelo contrário. A dificuldade com que a presidente tem enfrentado a herança que deixou para si mesma tem retardado e inibido o protagonismo do poder Executivo.
Ele está sendo predado pelo Legislativo e Judiciário com a ameaça de aumento de despesas permanentes, sem o estabelecimento simultâneo da receita permanente para pagá-las, da mesma forma, aliás, que se deu, por exemplo, na distribuição prematura das receitas eventuais do pré-sal pelo Executivo. Os casos mais recentes são o tratamento irresponsável do Congresso das aposentadorias (mal corrigido com o veto) e a pressão crescente para o aumento do funcionalismo do Judiciário.
Esses fatos mostram claramente que as medidas tomadas até agora (firmeza no "ajuste" fiscal, melhoria no programa de concessões e tentativa de reversão da expectativa inflacionária pelo aumento da taxa de juro real) estão longe de devolver ao Executivo o seu indispensável protagonismo no regime presidencialista. A solução é insistir com o que resta da sua "base" parlamentar para mobilizar o Congresso com uma robusta pauta das medidas estruturais que já dormem nas suas comissões. Sem isso, as expectativas atuais de uma "retroflação" nos imporão mais 43 meses de mediocridade...