Ruy Castro
A 300 ou 350 metros
RIO DE JANEIRO - Mario de Andrade é o homenageado da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) que começa hoje. Sua vida e obra serão esmiuçadas pelos entendidos. É a chance de se responder a uma pergunta, a meu ver, relevante: o que o musicólogo Mario tanto fez no Rio, onde morou de 1938 a 1941, que ignorou a música popular, riquíssima, de alcance nacional e adorada por milhões, produzida aqui no período?
Naqueles três anos, Ary Barroso lançou "Aquarela do Brasil", "Na Baixa do Sapateiro" e "Camisa Amarela". Assis Valente, "Camisa Listrada", "E o Mundo Não se Acabou" e "Brasil Pandeiro". Wilson Batista, "Acertei no Milhar", "Ó Seu Oscar" e "O Bonde de São Januário". Bororó, "Curare" e "Da Cor do Pecado". E Dorival Caymmi, "O Que É Que a Baiana Tem?", "O Samba da Minha Terra" e "Você Já Foi à Bahia?". Não se conhece uma linha de Mario a respeito. Será que não gostava de samba, só de folclore?
E nem de marchinhas? Nos três Carnavais que passou no Rio, saíram "A Jardineira", "Alá-La-Ô", "Aurora", "Malmequer", "Florisbela", "Passarinho do Relógio", muitas mais, e a linda marcha-rancho "Dama das Camélias". O apartamento de Mario, na rua Santo Amaro, na Glória, ficava a 20 metros do clube High-Life, então o melhor Carnaval do Brasil. Mas, se foi lá alguma vez, escondeu.
Assim como não se sabe se, morando aqui, ele se encontrou com Ary, Assis, Caymmi, Ataulfo, Custodio, Braguinha, Lamartine, Almirante, ou com Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Paulo da Portela. Seu amigo Lucio Rangel poderia tê-lo levado a eles. Vai ver que Mario não quis.
Talvez estivesse muito ocupado com a literatura para se dedicar à música. Nesse caso, por que parece não haver registro de um só encontro seu nessa época com Manuel Bandeira, com quem já trocara mais de 400 cartas e que morava também a 300 ou 350 metros?