EDITORIAIS
Justiça sub judice
Desde a Antiguidade, filósofos e juristas debatem temas espinhosos como o conceito de justiça, a função da pena e a possibilidade de haver leis injustas. Nunca chegaram a uma conclusão definitiva.
Algumas ideias, no entanto, se aproximam de razoável consenso, como o princípio de que o Judiciário deve promover a paz social. Para tanto, os cidadãos precisam encontrar bons motivos para considerar que o sistema, a despeito de erros ocasionais, "faz justiça" –seja lá o que isso possa significar.
Poucas coisas podem ser mais nocivas para a Justiça, assim, do que a sombra da suspeita avançar sobre magistrados. Dúvidas quanto à lisura da conduta de juízes corroem a confiança no Estado como ente capaz de dirimir conflitos.
Faz bem, portanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo ao proceder a uma ampla investigação sobre a conduta de um desembargador suspeito de beneficiar traficantes.
A corte identificou uma série de irregularidades em despachos do desembargador Otávio Henrique de Sousa Lima. Em pelo menos seis ocasiões ele teria, sem motivos razoáveis, determinado a soltura de delinquentes graúdos ligados a uma organização criminosa.
Na mais recente delas, o beneficiado pela decisão de Sousa Lima foi um indivíduo apontado pela polícia como o maior traficante do Estado de São Paulo.
Ele havia sido preso no final do mês passado, ao lado de quatro outros suspeitos, num sítio em Santa Isabel (Grande São Paulo) no qual foram apreendidos 1,6 tonelada de cocaína, 898 kg de produtos para mistura da droga, fuzis, uma pistola automática, carros com fundos falsos e munição.
No início de agosto, o desembargador deferiu um habeas corpus em favor daquele traficante, alegando que eram frágeis as provas de seu envolvimento, mas manteve presos os outros quatro acusados.
Segundo o presidente do TJ-SP, desembargador José Renato Nalini, o órgão investiga ainda um possível esquema de fraude na distribuição de processos, que encaminhava certas demandas dos réus diretamente para o escaninho de Sousa Lima –que nega as acusações e diz ter se afastado do caso.
Ele obviamente terá todas as condições de apresentar sua defesa, à qual os desembargadores do Órgão Especial do TJ devem dar a devida atenção.
Sem açodamento ou prejulgamentos de qualquer natureza, é crucial que o Tribunal de Justiça mostre disposição de investigar e eventualmente punir um dos seus.