Ruy Castro
A cantora que canta
RIO DE JANEIRO - A história é conhecida. Numa festa em Hollywood, nos anos 20, Charles Chaplin resolveu cantar. Soprou alguma coisa para o pianista e, com voz belíssima, entoou o "Recitar!... mentre preso dal delirio/ Non se più quel che dico/ E quel che faccio!..." –"Ridi Pagliaccio", de Leoncavallo, sucesso de Enrico Caruso, que acabara de morrer. Os convidados se espantaram: "Não sabíamos que cantava, Sr. Chaplin!". E Chaplin, modestamente: "Mas eu não canto. Estava só imitando Caruso".
Bibi Ferreira, em cartaz em SP com um espetáculo dedicado a Frank Sinatra, definiu-se outro dia para a "Ilustrada": "Não sou cantora. Sou uma atriz que canta". Foi o que Chaplin quis dizer. E Bibi poderia citar diversas instâncias de sua carreira em que, como atriz, viu-se obrigada a cantar: os papéis de Eliza Doolittle, em "My Fair Lady", nos anos 60, e Joana, em "Gota d'Água", nos 70, ou os recitais mais recentes, em que interpretou Amália Rodrigues e Edith Piaf.
Bibi me perdoe, mas atrizes que cantam são ou eram Juliette Gréco e Jeanne Moreau, na França, Mae West e Lillian Roth, nos EUA, Marlene Dietrich e Zarah Leander, na Alemanha –grandes "diseuses", espiritualmente mais próximas da letra do que da música, e espertas em manter distância de certas canções, pela impossibilidade de chegar às notas. Espertas também em se fazer acompanhar por um simples piano (o pianista de Dietrich era o jovem Burt Bacharach) ou violão, e cantar durante as pausas.
Bibi está na categoria oposta, mil vezes mais difícil: a das cantoras que representam. As canções associadas a Sinatra pedem uma cantora de verdade, não uma atriz, e Bibi está lá, firme, com sua voz –desafiando os metais à toda da big band de 18 figuras que a acompanha.
Aos 92 anos, ela é, isto, sim, uma grande cantora que canta.