Odilo Scherer e Michel Schlesinger
Católicos e judeus, 50 anos de diálogo
Com a declaração "Nostra Aetate", há 50 anos a Igreja Católica iniciava novo tempo de cooperação e conciliação com a comunidade judaica
Bem antes de se conhecerem, este cardeal leu um livro do avô deste rabino. A obra, sobre diálogo católico-judaico, era assinada por Hugo Schlesinger e pelo padre Humberto Porto. Contagiados pelo clima de aproximação, os autores produziram dezenas de trabalhos juntos e estreitaram uma grande amizade.
Em 2015, estamos celebrando o jubileu de ouro do documento católico que impulsionou o diálogo inter-religioso, em geral, e o diálogo católico-judaico, em particular.
Fruto do Concílio Vaticano 2º, convocado em 1962 pelo papa João 23 e concluído em 1965 por Paulo 6º, a declaração "Nostra Aetate" (no nosso tempo) marcou o início de uma revolução positiva na relação entre Igreja Católica e comunidade judaica. No ano 2000, a comunidade judaica publicou o documento "Dabru Emet" (digam a verdade), assinado por cerca de 220 rabinos e intelectuais de todas as correntes do judaísmo.
Na exortação apostólica Evangelii Gaudium ("A Alegria do Evangelho"), de 2013, o papa Francisco escreve: "Um olhar muito especial é dirigido ao povo judeu, cuja aliança com Deus nunca foi revogada".
Embora não seja o único documento dessa natureza, a "Nostra Aetate" é o primeiro compromisso de aproximação teológica e social entre as duas comunidades.
Seguindo essa posição do Concílio, os papas sucessivos realizaram diversos gestos de aproximação em relação à comunidade judaica. Em 1965, ainda antes da publicação da "Nostra Aetate", Paulo 6º visitou a Terra Santa, gesto que seria depois repetido por todos os papas, com a exceção de João Paulo 1º, que morreu apenas 33 dias após eleito.
João Paulo 2º visitou, em 1986, a Grande Sinagoga de Roma, ao lado do rabino Elio Toaff, e reconheceu oficialmente o Estado de Israel em 1993. Bento 16 também esteve no templo judaico da capital italiana e esse gesto deverá ser repetido em breve por Francisco, como revelou o rabino Riccardo di Segni, depois de audiência com o sumo pontífice.
No Brasil, o diálogo vem se fortalecendo desde a década de 1960. Em São Paulo, em particular, há uma história marcante de boas relações católico-judaicas; vale recordar gestos enfáticos realizados por ambas as comunidades, representadas pelo cardeal Paulo Evaristo Arns e pelo rabino Henry Sobel, durante o regime militar. E não tem sido diferente a convivência respeitosa e a colaboração amiga desde então.
Na próxima quarta-feira, 2 de setembro, ocorrerá em São Paulo, a comemoração dos 50 anos da declaração "Nostra Aetate", no Teatro da PUC (Tuca), com a presença de expressivas lideranças das comunidades católica e judaica. O principal convidado e orador no evento será o cardeal Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e do Diálogo com os Judeus.
Hoje, lamentavelmente, vemos de novo prosperarem radicalismos e fanatismos de fundo religioso. Pensamos, pois, que seja apropriado e mais que oportuno celebrar conquistas do diálogo entre religiões.
Promovê-lo, também para cultivar a paz entre os povos, é um verdadeiro dever. É desejável que não apenas cardeais e rabinos se envolvam nesta missão sagrada de aproximação e respeito, mas que nisso sejam seguidos por todos os membros de suas comunidades.