Janio de Freitas
Caminhos da reforma
A reforma pode ser feita por um projeto único, com todas as mudanças, ou por uma miniconstituinte
As duas questões sérias que emergiram da eleição presidencial dão os primeiros sinais de um debate que precisa ser civilizado, sem reduzir à praxe de transformar divergências em troca de desaforos, intrigas e outras baixezas.
Professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas/Rio, Joaquim Falcão tornou desnecessário dizer-se mais para contestar a proposta de elevação, de 70 para 75 anos, da idade para aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal (Folha, 10/11). Considera que "são uma tentativa de golpe branco as articulações" de "uma elite no Judiciário e no Congresso [que] parece não aceitar o resultado das urnas": "Se não é um golpe branco na forma, é na substância. É uso inconstitucional da forma constitucional". E, a meu ver, o que se segue derruba todos pretensos argumentos com que os defensores da "PEC da Bengala" fantasiam seu propósito, até já declarado por alguns, de impedir cinco possíveis nomeações para o STF no segundo mandato de Dilma Rousseff.
Convém lembrar que, até a campanha eleitoral tomar impulso, o que vinha em discussão era a ideia de número fixo de anos para a atividade como ministro do Supremo. Adeptos notórios da ideia, assim que vencido Aécio Neves, adotaram a proposta de prorrogação da idade de aposentadoria.
Professor de Direito da FGV-São Paulo, Oscar Vilhena Vieira vê com reservas as diferentes propostas de reforma da Constituição (Folha, 1/11): "É preciso mesmo mudar?". Sua resposta assenta-se em três fundamentais e "bons serviços" da Constituição à sociedade, ao primeiro dos quais ouso fazer uma ressalva: "A Constituição estabilizou o sistema democrático".
Creio que, por si mesma, nenhuma Constituição estabiliza. A sociedade, sim, o faz. Ou melhor, as forças organizadas ou organizáveis da sociedade. A Constituição de 1946, pós-ditadura de Getúlio, era democrática e avançada para a época, mas em sua vigência o Brasil viveu o seu período mais instável. Os militares e a direita udenista feriram a Constituição até destruí-la: já era a tortura, a tortura das instituições democráticas.
Vilhena traz uma sugestão importante para debate. As hipóteses já consideradas para a reforma são fazê-la por um projeto único, englobando todas as mudanças para decisão do Congresso, ou por uma miniconstituinte. "Não é incomum", lembra Vilhena, "que amplas reformas políticas produzam efeitos altamente adversos". E propõe uma alternativa: "Melhor seria que adotássemos uma estratégia de reformas incrementais".
Nas atuais circunstâncias, a miniconstituinte tem inconvenientes bastantes para ser a hipótese menos atraente. A do projeto único e a de mudanças ponto a ponto enfrentam-se com bom número, cada uma, de razões positivas e outras nem tanto. Justificam a discussão pormenorizada, incluindo-se a do fator tempo em benefício de algumas mudanças.
Daí vê-se que há o estudar antes da substância das mudanças. E mesmo se melhor seria plebiscito ou referendo, ou outros meios de participação da sociedade. Para que haja um processo de reforma com a fluidez desejável, conviria debater e definir, antes de tudo, o modo, a mecânica do próprio processo. Sem essa preliminar, ou discuti-la em simultaneidade com a substância e outros componentes das mudanças, teremos um tumulto temático a se projetar sobre toda a política e sobre a administração. Por tempo de difícil controle.