Crimes da ditadura
Dilma chora e diz que documento não pode servir para 'revanchismo'
Presidente indica ser contrária à revisão da Lei da Anistia ao lembrar 'pactos' da redemocratização
Preocupado com reações de militares, Palácio do Planalto pediu a ministro para conter insatisfação
Num discurso interrompido pelo choro, a presidente Dilma Rousseff afirmou nesta quarta (10) que o relatório final da Comissão Nacional da Verdade "demarca um novo tempo" e sedimenta a democracia no país, mas não pode servir para "revanchismo".
Presa e torturada pela ditadura, Dilma adotou um tom conciliador ao receber em mãos o relatório, no Palácio do Planalto.
"Nós reconquistamos a democracia à nossa maneira, por meio de lutas duras, por meio de sacrifícios humanos irreparáveis, mas também por meio de pactos e acordos nacionais, que estão muitos deles traduzidos na Constituição de 1988."
A principal referência é à Lei da Anistia, foco principal de divergência entre os que defendem e os que resistem a que agentes da repressão sejam punidos. Sancionada em 1979, ela isentou militares e participantes da luta armada.
Pessoalmente favorável à revisão da lei, segundo auxiliares, Dilma tem, na cadeira de presidente, se manifestado contra modificações com o objetivo de não criar problema com as Forças Armadas.
A presidente se emocionou ao falar que o Brasil "merecia a verdade". "Afirmei [em 2012, ao empossar a comissão] que o Brasil merecia a verdade, que as novas gerações mereciam a verdade, e, sobretudo, mereciam a verdade aqueles que perderam... [chora] familiares, parentes, amigos, companheiros e que continuam sofrendo como se eles morressem de novo, e sempre, a cada dia."
De acordo com auxiliares presidenciais, o relatório final foi "duríssimo" por acusar de crimes presidentes da República e comandantes militares, além de relativizar o alcance da Lei da Anistia.
Em sua fala, Dilma reafirmou simultaneamente o valor da luta contra o Estado ditatorial e a necessidade de se reconhecer os acordos que permitiram a redemocratização do país. "A verdade não significa revanchismo. A verdade não deve ser motivo para ódio ou acerto de contas. "
Logo após o discurso, os membros da comissão discordaram do sentido das palavras da presidente. Rosa Cardoso disse que Dilma falou de maneira genérica, e os pactos podem ser entendidos como os acordos legais que obrigam o Estado brasileiro a cumprir decisões de cortes internacionais.
A referência é à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que sentenciou o Brasil a investigar crimes da ditadura e punir seus autores, um dos principais argumentos dos defensores da derrubada da Lei da Anistia.
Ela foi contraditada por Paulo Sérgio Pinheiro, que ressaltou a decisão do Supremo que ratificou a legislação em 2010.
Os bastidores que antecederam à divulgação do relatório foram tensos. O governo identificou resistência entre oficiais de patente média das Forças Armadas, que foi contida pelo ministro da Defesa, Celso Amorim. A pasta não se pronunciou. Houve mais silêncio do que supunha o próprio governo.
Na semana que vem, Dilma promoverá oficiais e participará do almoço com a cúpula das três Forças Armadas.