Transporte
Pet no busão
Após um mês, lei que permite animais pequenos nos ônibus é bem recebida por usuários, mas motoristas e cobradores reclamam de falta de informações
À vontade apesar da trepidação do coletivo, Flor da Silva fez sua primeira viagem de ônibus nesta semana. Aos quase dois anos, a vira-lata ajudou a sãopaulo a verificar como funciona a permissão, em vigor há um mês, para levar animais de pequeno porte nos ônibus municipais paulistanos.
Nas sete viagens feitas pela reportagem em todas as regiões da cidade, sobressaiu-se a boa recepção de motoristas, cobradores e passageiros aos colegas de quatro patas, embora ainda falte informação sobre a novidade.
É mais frequente ver pets trafegando nas linhas de bairros periféricos. Silmara Bacelar, 23, vive em Santo Amaro, na zona sul, e levou 1h 30 de trem e ônibus para levar o gato Chaves ao Hospital Veterinário Público do Tatuapé, na zona leste. "Na zona sul não tem veterinário de graça", diz ela.
Antes da legislação já se levava bichos em ônibus, assim como há quem o faça nos trens e no metrô, onde a nova regra não vale. Silmara, que tem mais um gato e dois cachorros, afirma que "sempre" os transportou de ônibus e nem sequer ouvira falar na novidade. Para a estudante, a lei deveria ir além: "Poderia ter uma cadeira exclusiva para os bichinhos."
Agora pensa duas vezes quem vai contra os animais. Foi assim com José, de aparentes 50 anos, para quem "é errado ter que disputar com bicho" --ele não quis dizer o sobrenome.
"No entrepico não faltam ônibus e eles andam vazios, e nos picos não permitimos os animais. Então isso não se justifica", diz Jilmar Tatto, 49, secretário municipal de Transportes.
Demanda antiga de militantes dos direitos animais, a condução já fora aventada pela "bancada pet" da Câmara Municipal. O projeto, aprovado pela Casa e promulgado pelo prefeito Fernando Haddad (PT), é do vereador David Soares (PSD).
"Não pode ter mais de dois bichos por vez, não pode entre 6h e 10h e entre 16h e 19h, precisa de gaiolinha e, se usar o assento, tem de pagar", explica o motorista Cláudio Campos em um coletivo na rua da Consolação.
Está quase tudo certo: é preciso também checar a carteira de vacinas e, segundo a lei, a cobrança dos R$ 3,50 independe do uso do assento. A passagem de Flor não foi cobrada nenhuma vez. O animal tampouco pode ter mais de 10 kg. "A gente saca 'no olho', dá para perceber", disse Campos.
Flor, 13 kg, passou, e a relativa boa informação do condutor é, por ora, mérito dele; segundo 14 motoristas e cobradores ouvidos, ainda não houve treinamento ou comunicados.
Prefeitura e SPTrans defendem um período inicial de testes. "A lei é recente, estamos nos 60 dias de regulamentação. Você define um conceito e o dia a dia é que vai dizer as dúvidas e novas demandas. A ideia é não burocratizar para não inibir", diz Tatto.
Bilhete Único canino?
Dúvidas ganham vulto em uma cidade com mais de 2,5 milhões de cães e mais de 562 mil gatos, segundo o estudo mais recente (2007) do Centro de Controle de Zoonoses com a USP.
Falta, por exemplo, um modelo para a carteira de vacinação: os atuais registros são emitidos por veterinários, o que amplifica as versões e dificulta a fiscalização --não foi pedida a de Flor nenhuma vez.
"No futuro pode-se ter um cadastro no próprio telefone, ou um dispositivo no Bilhete Único que possibilite comprovar as vacinas. A tecnologia permite tudo", defende Tatto.
Os benefícios também são louvados pela população. Como a maioria dos taxistas recusa passageiros com focinho, aos sem carro resta o "táxi dog", que cobra em média R$ 3 por km --ante R$ 2,75 do táxi comum.
"Finalmente pensaram em nós", celebra Arlete Silva, 52, que vive na zona leste com 18 cães e 13 gatos e gastou R$ 60 para levar um dos bichos, diabético, ao hospital público. Funcionários do local relataram aumento de 50% na frequência de visitantes.
"Temos de ser tolerantes. Uma latida a mais ou a menos não atrapalha a vida de ninguém", afirma o secretário.
Próximo passo: ensinar a Flor a levantar a pata e chamar o busão.