Livros lançam olhar sobre o passado e o presente das mulheres japonesas
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Imigrantes e descendentes de japoneses indo para campo de prisioneiros nos EUA durante a 2ª Guerra |
Ladies first, afinal #agoraéquesãoelas. "Tsugumi", de Banana Yoshimoto, é um romance de 1989 só hoje traduzido por aqui -antes, a filha do Takaaki Yoshimoto havia publicado "Kitchen", seu impactante livro de estreia, de 1988. Espera-se que prossiga a publicação das obras de lady Banana, uma das autoras mais célebres do Japão, conhecida por suas heroínas sempre fortes e ambíguas. Como Tsugumi, uma adolescente tão bela quanto desagradável, tão cruel quanto frágil física e emocionalmente.
O livro é narrado por sua prima Maria (nomeada em homenagem à Virgem), que sai de Tóquio para passar as férias em sua cidade natal, numa pousada paradisíaca onde vive Tsugumi. As férias acabam por ser um rito de passagem para ambas as garotas. Contado de modo direto e com várias passagens cômicas, o livro tem leve tom infantojuvenil e é um registro do efervescente Japão dos anos 1980.
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Já o romance de Julie Otsuka é outro papo. Para começar, nem japonesa ela é: nasceu na californiana Palo Alto, em 1962, e escreve em inglês. O eixo de sua literatura, porém, são as conflituosas relações entre nipo-americanos e o "american dream". Em 1942, por conta da paranoia após o ataque a Pearl Harbour, cerca de 120 mil nipo-americanos foram deslocados para campos de concentração no Utah -fato histórico vergonhoso pouco divulgado pelos EUA.
Em "Quando o Imperador Era Divino", uma próspera família de ascendência japonesa vivendo em Berkeley é destruída quando o pai é levado pelo FBI, em plena véspera de Natal. Meses depois, a família é levada a um campo de concentração, onde passa anos em condições sub-humanas, vivendo de carne de cavalo sob um frio cortante.
A terrível narrativa é torcida em diversos pontos de vista -das crianças, da mãe e até dos cidadãos nipo-americanos na terceira pessoa do plural, artifício incomum também usado no tristíssimo "O Buda no Sótão", multipremiado romance que se segue a este. O tom frio, chapado, e a linguagem despida de ornamentos tornam mais tenebrosas as hostilidades dos norte-americanos sobre seus até então confrades, vizinhos, amigos, colegas, compadres, amantes e familiares nipo-americanos.
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E agora, algo totalmente diferente: um homem falando de mulheres com ternura, mas sem perder a timidez jamais. Depois da ambiciosa, porém algo irregular, trilogia "1Q84" (começa muito bem nos dois primeiros volumes, mas no terceiro dá uma descambadinha), o eterno favorito ao Nobel de literatura retorna às livrarias com uma seleta de contos que lembra o tom agridoce de "Norwegian Wood", porém temperado pela maturidade, o que não exclui momentos de lirismo: "Somente os homens sem mulheres conseguem compreender o tamanho da dor e do sofrimento de ser homens sem mulheres. É perder o vento encantador do oeste. É ser privado para sempre -um bilhão de anos talvez seja um tempo aproximado de 'para sempre'- dos 14 anos. É ouvir o canto melancólico e doloroso dos marinheiros ao longe. É se esconder no fundo do mar escuro junto dos amonites e celacantos. É ligar depois da uma da madrugada para a casa de alguém. É receber um telefonema depois da uma da madrugada. É marcar um encontro com um desconhecido em algum lugar entre o conhecimento e a ignorância. É derramar lágrimas na pista seca enquanto calibra o pneu", escreve ele no conto-título, em que o narrador relembra, com graça e dor, de uma ex-namorada que se suicidou.
"Sherazade" é isso mesmo: a história de uma mulher que entrelaça sua compulsão narrativa ao sexo. Em "Drive My Car", um ator famoso em busca de um motorista recebe a inusitada candidatura de uma moça -e aqui temos de novo os Beatles sobrevoando a escrita do mais roqueiro dos escritores japoneses; outra música do quarteto de Liverpool ressurge em "Yesterday", em que um sujeito que escreveu uma letra japonesa para o hit pede ao narrador que transe com sua namorada.
Em "Samsa Apaixonado", um inseto se transforma no famoso personagem de Kafka (outra obsessão que retorna, lembre-se o genial "Kafka à Beira-mar", talvez seu melhor romance). "Órgão Independente" é sobre um cinquentão obstinadamente celibatário que surpreendentemente se apaixona. "Kino" narra a rotina atribulada de um homem que se separa de sua mulher e compra um bar (que ecoa uma experiência pessoal de Murakami".
Sete contos que nos devolvem a um universo tão conhecido, habitado por frases ligeiras e singelas, diabólico encadeamento de parágrafos, perspectiva nonsense e desencantada do mundo, corte preciso das imagens -e aquela linguagem meio muzak subitamente cortada por uma irrupção de poesia, de humor ou do fantástico.
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TSUGUMI
AUTOR Banana Yoshimoto
TRADUÇÃO Lica Hashimoto
EDITORA Estação Liberdade
QUANTO R$ 38 (184 págs.)
AVALIAÇÃO: bom
QUANDO O IMPERADOR ERA DIVINO
AUTOR Julie Otsuka
TRADUÇÃO Lilian Jenkino
EDITORA Grua
QUANTO R$ 34,90 (144 págs.)
AVALIAÇÃO: ótimo
HOMENS SEM MULHERES
AUTOR Haruki Murakami
TRADUÇÃO Eunice Suenaga
EDITORA Alfaguara
QUANTO R$ 42,90 (240 págs.)
e R$ 29,90 (e-book)
AVALIAÇÃO: ótimo