Para especialistas, cinema brasileiro ainda depende demais do Estado

 

WALTER PORTO
DE SÃO PAULO

O Estado brasileiro foi essencial em aumentar quantidade e qualidade da produção cinematográfica nacional, mas falhou em criar público cativo e hoje é entrave a empreendedores da iniciativa privada.

Esses foram alguns dos pontos levantados pelos participantes da mesa que abriu o segundo dia do Fórum Mostra-Folha, na manhã desta quinta (26) no Itaú Cultural.

Segundo o cineasta Carlos Augusto Calil, professor da ECA-USP, o crescimento tão celebrado da produção brasileira –chegou-se ao patamar de 140 filmes por ano– não acarretou em maior ocupação do mercado interno. Hoje, exibidores têm dificuldade de cumprir a cota de 10% de consumo de filmes nacionais em relação ao todo.

Ele afirmou ainda que vivemos uma situação "perigosa" em que a política cultural é totalmente dependente do Estado, que investe filme a filme. "O cinema vira refém da política."

Cacá Diegues, cineasta com mais de 50 anos de experiência, diz que é ponto pacífico que todo cinema depende de dinheiro do país em que é produzido, mas concorda que o poder do Estado no Brasil é "imenso". "Se o Temer quiser, ele acaba com o cinema brasileiro amanhã", alertou.

Os debatedores lembraram várias vezes do exemplo do fim da Embrafilme, estatal cujo encerramento foi decretado por Fernando Collor em uma canetada. Diegues adicionou: "O poder mais importante do Estado não é o dinheiro, mas a capacidade de definir como vai ser a regulação."

O produtor Rodrigo Teixeira relatou sua experiência financiando um filme caro do próprio bolso. Segundo ele, quando precisava de uma soma adicional para a finalização e foi recorrer ao Estado, encontrou tamanha burocracia que desistiu.

"O Estado não valoriza o fato de eu ser um empreendedor que está arriscando capital em cinema", afirmou. "Não existe um mecanismo pra você ter um benefício, um incentivo por ter colocado dinheiro em um filme."

Ele apontou que, pela política de juros altos praticada no Brasil, a exigência para o resultado de um produto de risco como um filme é muito maior do que em outros países.

Calil concordou. "A lei de incentivo à cultura é um desastre nesse sentido, porque quem podia investir não investe mais. O Estado investir 100% dos recursos, sem nenhum risco, inibe muito a iniciativa privada."

RACIONALIDADE

Uma solução levantada para melhorar os investimentos públicos e fomentar as produtoras e distribuidoras nacionais foi fazer investimentos em carteiras (ou pacotes) de filmes, e não em obras individuais.

"Investir caso a caso é como jogar na roleta num numero só. O conjunto protege o investimento", explicou Calil.

Mauricio Andrade Ramos, presidente da SPCine, concordou e apontou que o último edital de distribuição da empresa municipal foi feito por carteira de filmes.

"Todo mundo sabe que os estúdios americanos fazem dez filmes por ano, para que dois paguem a conta. A noção de carteira é essencial se você vai tratar do risco de investimento com a seriedade da razão de retorno."

Cacá Diegues afirmou que essa perspectiva ajuda até a manter a qualidade da produção nacional. "A vantagem é que você pode tratar cinema como protótipo, você não precisa fazer cinco filmes iguais. Estou vendo o número de jovens cineastas que estão estreando com grandes filmes, se você bota isso numa mesma carteira, não importa se dão dinheiro ou não."

PÚBLICO

Outra questão abordada foi o porquê de o cinema nacional não conseguir atrair boa porcentagem de mercado do público brasileiro.

Calil expressou preocupação com onde escoar a numerosa produção do país, já que, segundo ele, "o público não está vendo" e não há incentivo estatal para exportação.

Diegues trouxe a variável do alto preço do ingresso de cinema, inflado com gastos na bombonière e no transporte. "O pobre não vai mais ao cinema, tem que ser da classe média para isso", afirmou. "E a classe média que vai ao cinema tem horror, não quer ver nada do Brasil."

Ele argumentou que provas disso são filmes de arte que vão mal na bilheteria e encontram público amplo ao serem passados na Globo. "É porque o filme tem público, é o povo que não pode ir ao cinema e fica em casa vendo TV."

Ramos afirmou, em contraponto, que o público nos cinemas nunca caiu em períodos de crise, o que não teria a ver com preços, mas com o fato de ser um "programa extremamente querido".

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