DE SÃO PAULO

O escritor Carlos Heitor Cony morreu nesta sexta-feira (5) às 23h. Ele estava internado no Hospital Samaritano e morreu após falência de múltiplos órgãos.

Escritores e colegas lamentaram a sua morte.

À Folha, a escritora e imortal da ABL Ana Maria Machado, 76, afirma que Cony "foi um grande escritor, um dos maiores de nosso tempo, e, para minha geração, também um símbolo de coragem e independência. Foi o primeiro jornalista a levantar a voz, com veemência, em oposição ao golpe militar de 1964, escrevendo no 'Correio da Manhã'."

"O convívio com ele era adorável. Sempre muito engraçado, dotado de um humor corrosivo e meio anárquico, tinha algumas tiradas inesperadas. Ele gostava muito de jabuticabas. Quando adoeceu, já faz alguns anos, eu fazia questão de lhe levar jabuticabas em casa quando chegava a época da fruta. Mais do que alimentar a gulodice, era para lembrar a ele minha amizade e meu carinho"

Em entrevista à Folha, Marco Lucchesi, presidente da Academia Brasileira de Letras, afirmou que "nós perdemos uma escola e eu perco um amigo."

Para Lucchesi, "Cony era corajoso e livre, que é o que precisamos no Brasil de hoje. Era um homem incapturável, de uma liberdade intensa na escrita e na visão do país. Não havia tendência que o capturasse. A literatura de Cony é, em si mesmo, um continente: são muitas geografias e climas que habitam a obra dele. Vai fazer muita falta, porque não ficou preso a sua própria geração."

Memória
Carlos Heitor Cony morre aos 91 anos no Rio

O presidente Michel Temer lamentou a morte de Cony. "É com tristeza que recebo a notícia da perda de Carlos Heitor Cony, um dos mais cultos e preparados pensadores nacionais. O jornalista atuou nos principais jornais e revistas do País. Meus sentimentos à família e aos amigos."

O governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB-SP) escreveu sobre a morte do escritor:

"Carlos Heitor Cony é imortal, já sabíamos. Mesmo isso não diminui a tristeza de perder o convívio cotidiano com o que foi uma incessante produção literária e jornalística; com a capacidade espetacular que Cony tinha de ora nos comover, ora nos indignar, de nos fazer refletir sempre sobre a condição humana. Foi-se um mestre. Nosso carinho aos seus familiares e amigos."

Arnaldo Niskier, membro da ABL, lembrou um episódio em que o cardeal Dom Lucas Moreira Neves tentou convencer Cony a recuperar sua fé cristã.

"Estávamos num almoço com o cardeal numa visita ao Vaticano, quando Dom Lucas Neves me pediu para conversar a sós com Cony. Depois ele me contou que o cardeal queria que ele voltasse para a igreja, recuperasse a fé, coisa que ele tinha perdido completamente", afirmou Niskier.

Niskier, que o recebeu na ABL em 2000, afirmou que o livro "Quase memória" é "uma lição de literatura". "É um exemplo de como se deve fazer um romance, num espaço reduzido. Ele [o livro] diz tudo", afirmou.

Nelida Piñon, escritora e integrante da ABL, acredita que o escritor "deixa a marca de seu talento da generosidade".

"Ao longo de sua ascensional trajetória, houve um hiato muito grande durante o qual ele deixou a literatura, repudiou a literatura, disse que nunca mais ia escrever. Mas quando ele volta com o "Quase Memória", ele tem o privilégio de completar um ciclo. Quando se completa um ciclo, há uma avaliação mais complexa. Hoje nós o vemos como um brasileiro participante, um enorme jornalista, mas sobretudo um grande escritor"

Cícero Sandroni, imortal da ABL, relembrou a relação de Cony com a Academia Brasileira de Letras.

"Foi um grande escritor, um herdeiro do realismo carioca de Joaquim Manuel de Macedo e Marques Rebelo. Entrou na Academia Brasileira de Letras, mas sempre foi meio crítico em relação a ela. Lembro uma brincadeira que ele fazia quando tinha posse lá, porque nós temos que ir de fardão. 'Ô Cícero! Estamos aqui parecendo um grupo de grilos falantes!', dizia, porque o fardão é verde e tem um rabo."

Sandroni também falou sobre a semelhança de Cony com Heidegger. "Numa das últimas vezes que nos vimos, eu brinquei dizendo que ele estava parecendo mais do que nunca o Martin Heidegger [filósofo alemão]. Ele respondia, rindo: 'Não me fale nisso, aquele nazista filho da puta'."

O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão afirmou, em nota, que o "jornalismo e a literatura perderam um de seus nomes mais importantes" e, como homenagem, decretou luto de três dias no estado.

"Com uma trajetória brilhante em jornais, revistas, TV e rádio, Carlos Heitor Cony foi um crítico de primeira hora do autoritarismo e da censura do regime militar. Também deixou como legado uma obra de ficção marcante. Neste momento difícil, quero prestar minhas condolências à família, aos amigos e admiradores de Cony."

Ministro da Secretaria-Geral, Moreira Franco escreveu, no Twitter, que o "pesar foi grande".

"Foi-se C.H. Cony, testemunho dos anos duros do regime militar. Cony esteve do começo com memorável atuação no Correio da Manhã, ao fim com militância intelectual,política. Ajudou minha geração a amar a democracia,respeitar o contraditório,sonhar com a liberdade."

O autor de novelas Walcyr Carrasco afirmou que Cony era um "mestre na arte de observar a vida e na arte de transformar isso em texto".

Carrasco relembrou a crônica de Cony sobre a perda de sua cadela, Mila. "Me deleitava lendo suas crônicas nos jornais ou um de seus livros —produzia muito e com extrema qualidade. Uma grande perda que deixa um legado lindíssimo para quem, como eu, ama ler e escrever. Tinha um amor enorme por sua cadelinha Mila assim como tenho pela minha."

Em nota, Luís Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira dos Livros, disse que "o mercado editorial perde, neste dia, um dos grandes romancistas do brasil, membro da Academia Brasileira de Letras desde 2000."

"Foi com muita tristeza que a diretoria da Câmara Brasileira do Livro (CBL) recebeu a notícia do falecimento do romancista, escritor e jornalista Carlos Heitor Cony. A CBL teve a honra de reconhecer o talento de Carlos Heitor Cony, por meio do Prêmio Jabuti, quando o escritor ganhou o prêmio de Livro do Ano Ficção com a obra Quase Memória, em 1996. "

"Morreu um gigante da literatura e do jornalismo brasileiros: Carlos Heitor Cony. Fica como herança uma obra de primeira grandeza", escreveu o jornalista Antonio Greco.

Para a crítica literária, Beatriz Resende, classifica o escritor como "homem muito valente" que deixa "grandes romances" que "marcam momentos da literatura brasileira".

"Seus primeiros livros marcaram uma vertente existencialista que não havia até então no Brasil: era uma coisa muito europeia. São livros muito bonitos. Em 'Quase Memória', ele volta com uma força muito grande, é um livro muito original", disse.

"Além de grande escritor, ele foi um intelectual importante para várias gerações. Era um polemista, mas que sempre buscava muito diálogo. Não tinha medo da política, e sofreu muito. Foi extremamente perseguido e preso várias vezes."

Cony foi homenageado pelo Fluminense, time que ele torcia, que afirmou lamentar a morte "de um de seus torcedores mais ilustres, Carlos Heitor Cony, na noite desta sexta."

A apresentadora Ana Maria Braga relembrou quando Cony escrevia crônicas no início do programa "Mais Você" e escreveu "saudades desse talentoso amigo".

"Um dos autores que realmente faz a literatura brasileira contemporânea", disse Domício Proença Filho, membro da ABL.

"A academia vai sentir falta de Cony e o Brasil também. Há duas semanas estávamos juntos em um almoço em homenagem a ele, ele estava muito bem. É sempre dolorido, a gente nunca se conforma e sente saudade do amigo", lamentou.

Para Milton Hatoum, Cony foi um dos grandes cronistas brasileiros. "Ele escrevia sobre assuntos variados, e sempre com leveza e concisão, um estilo que também usaria em alguns livro de ficção."

"Os artigos que publicou contra a ditadura foram importantes numa época de censura e repressão. Acho que ele sempre tentou manter uma postura independente, com críticas a governantes de todos os matizes ideológicos. Isso engrandece o trabalho de um profissional da imprensa, sempre sujeito a agressões quando olha criticamente para todos os lados."

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB-RJ) prestou homenagem ao escritor. "Um dos mais expressivos nomes da cultura brasileira. Vencedor de três prêmios Jabuti e membro da Academia Brasileira de Letras, Cony também foi um jornalista brilhante, com passagem pelos principais veículos da imprensa do país, influenciando o trabalho dos colegas com seu talento e bom humor. À sua família, nossas mais sinceras condolências."

O cartunista brasileiro Jaguar relembrou a época em que trabalhava com Cony.

"Quando houve prisão dos 14 do "Pasquim", o Henfil, o Millor e os jornalistas que ficaram de fora ficaram lá fazendo o jornal durante nossa ausência. Achei ótimo, foi o período mais tranquilo da minha vida. Não fomos torturados e não tive que fechar o jornal! Ele falava algo que eu também dizia: 'A única tortura que a gente teve foi ter que conversar com aqueles caras e conviver forçadamente com eles'."

"Era uma pessoa muito curiosa de se lidar porque, embora dissesse que era um pessimista, ele era um otimista", contou o ensaísta e membro da ABL à Folha.

"Ele costumava dizer na sessão da ABL quando estávamos conversando, durante o chá: 'Eu sou um acadêmico terminal, podem contar com a minha vaga'. Por anos ele fez essa brincadeira conosco. Ele não foi apenas um grande escritor: ele deixou um livro ["Quase Memória"] cuja eternidade está garantida e que é uma obra-prima. É um dos livros mais brilhantes, profundos e bem escritos da língua portuguesa. A concepção dele, sua mistura de romance e autobiografia é admirável"

Nas redes sociais, colegas também lamentaram a perda de Cony. Fafá de Belem postou na conta oficial do seu Instagram uma foto do escritor e escreveu "Grande jornalista, cronista, romancista e brasileiro".

Sérgio Augusto, jornalista e escritor brasileiro, disse: "Velho companheiro de redação e um dos maiores escritores brasileiros da segunda metade do século passado. Já seria um dos grandes se tivesse escrito apenas 'Pessach' e 'Quase Memória'."

No Facebook, Fabrício Carpinejar, poeta e cronista brasileiro prestou homenagem a Cony. "'Amanhã farei grandes coisas', é assim que o jornalista Ernesto pai se despedia do seu filho Carlos Heitor Cony, na hora de dormir, depois de um dia de trabalho. Você fez grandes coisas, escritor Cony, maravilhosos romances, crônicas límpidas, assim você se despede da gente, com a esperança bem vivida."

Marcelo Rubens Paiva se despediu do escritor.

"Arrivedderci, Cony. Muito bom ter te lido, te conhecido, papeado longamente. Nosso ultimo encontro ano passado foi tao frutifero, que te fiz personagem do roteiro que escrevi. Você é eterno como Pompeia."

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