Com pouca ação, 'O Destino de uma Nação' tem atores brilhantes

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

O DESTINO DE UMA NAÇÃO (bom) * * *
(THE DARKEST HOUR)
DIREÇÃO Joe Wright
ELENCO Gary Oldman, Kristin Scott Thomas e Ben Mendelshohn
PRODUÇÃO Reino Unido, 2017, 12 anos
QUANDO estreia nesta quinta (11)
Veja salas e horários de exibição.

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Vamos começar um pouco longe do cinema. Mas nem tanto. Como se sabe, nosso secundário agora vai se limitar ao ensino de matemática e língua portuguesa como matérias obrigatórias: mais uma desenvolta tentativa pedagógica de ensinar primeiras letras a nossas crianças.

Vamos então supor que elas aprendam a ler e a escrever. O que terão para ler? A Bíblia? Isso os pastores vão ler no culto. E vão escrever sobre o que, se não têm conhecimentos de história, geografia, línguas e tudo mais?

Aqui entra o cinema. Nesse universo mental que se apequena de maneira assustadora, ele surge como uma luz: eis, enfim, um lugar de conhecimento, embora não raro tão duvidoso quanto as redes sociais ou as conversas de chofer de praça.

Ao menos vamos à história. História às antigas: história dos grandes vultos (os figurões). Mesmo de alguém como Winston Churchill (1874-1965), por exemplo, o que aprenderão na escola as crianças do futuro?

Aliás, o que sabemos nós? Foi o primeiro-ministro a conduzir a Inglaterra durante os momentos decisivos da Segunda Guerra, sem dúvida. Sabe-se menos sobre os momentos que precederam sua ascensão e os riscos sofridos pelo país no início dos conflitos. É disso que busca dar conta "O Destino de uma Nação".

Um pouco mais de história: em 1938, o primeiro-ministro Neville Chamberlain voltara de uma reunião com Adolf Hitler tendo embaixo do braço o documento que garantia a paz na Europa.

Logo o líder alemão dá a entender que não dava a mínima àquele papel e começa a invadir outros países do continente. Quando a França é invadida soam todos os alarmes, pois as forças inglesas naquele território estão tão perdidas quanto as francesas.

Aqui começa o filme, já com a guerra declarada e tudo. O Parlamento britânico está em pé de guerra contra Chamberlain. Em poucos dias, o nome de Churchill se torna uma espécie de fatalidade. Ninguém morre de amores por ele. Seu partido, o conservador, o toma por um bufão. Mas é o nome que se impõe tanto ao Parlamento quanto ao rei George 6º.

trailer

O roteiro de "O Destino de uma Nação" omite um aspecto relevante (assim como o livro homônimo do roteirista Anthony McCarten), a saber: qual era a força de Churchill se tão grande era o isolamento no seu partido como afirma o filme? Ele não liderava ao menos um grupo político relevante ou algo assim?

Entende-se que ele sofria a oposição de Chamberlain. No entanto, a impressão que se tem é de alguém cuja força vinha dos jornais e do apoio popular. Mas em que se baseava ele?

Essa omissão parece funcional: reforça a ideia de um Churchill praticamente sozinho combatendo um círculo basicamente pacifista e tremendamente hostil a ele.

O que virá a seguir baseia-se nas pesquisas de McCarten sobre esse turbulento início de governo: as disputas internas, as tentativas de puxada de tapete, as decisões arriscadas de um líder autoritário, conhecido por opções estratégicas fracassadas (no passado), porém 100% dedicado a enfrentar a Alemanha e seu perigo, coisa que seus hesitantes aliados não faziam. Ou seja, nesta visão, a heroica Inglaterra que conhecemos não existiria sem Churchill.

Quanto ao filme em si, após ter produzido uma "Anna Karenina" (2012) cheia de afetações, desta vez Joe Wright se vale de ênfases inúteis e de pompa para apoiar sua mise-en-scène num filme de pouca ação.

No mais, produz uma iluminação soturna, especialmente nas secretas dependências do gabinete de guerra, que bem justificariam a tradução literal do título original ("a hora mais escura"), que certamente não foi usado para que não se confundisse "O Destino de uma Nação" com um filme de terror.

Escolha duvidosa, pois é de terror real que trata este filme, marcado por alguns atores brilhantes (Kristin Scott Thomas e Gary Oldman). O terror é o ponto central da trajetória de Hitler –terror real e universal.

Se em diversos momentos o espectador pode mexer na cadeira e lamentar que Wright tenha de novo estragado um bom roteiro, ao menos aqui prova-se algo que tanto faz falta a tantas cinebiografias: mostrando-o num momento de crise pode-se saber mais sobre o caráter de um personagem do que repassando sua vida do feto ao túmulo.

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OUTRAS FACES
Confira versões recentes de Churchill na tela

CHURCHILL (2017)
Com Brian Cox, o filme foi lançado apenas poucos meses antes do longa de Joe Wright. Aqui foca nas decisões de Churchill que antecederam o Dia D

THE CROWN (2016)
Com 1,93 m, John Lithgow deu literalmente envergadura a Churchill, peça importante no começo do reinado de Elizabeth 2ª, na primeira temporada da série da Netflix

CHURCHILL'S SECRET (2016)
A trama se passa em 1953, quando Churchill sofre um grave derrame e tenta esconder seu estado. Feito para TV, foi estrelado por Michael Gambon (o professor Dumbledore de Harry Potter)

O DISCURSO DO REI (2010)
Aqui o personagem tem papel pequeno (na pele de Timothy Spall) e dá seu apoio ao novo rei, o gago George 6º (Colin Firth, que venceu o Oscar)

CHURCHILL - DETONANDO A HISTÓRIA (2004)
Paródia mostra Churchill (o americano Christian Slater) como um soldado jovem e espertão; a canadense Neve Campbell faz a princesa Elizabeth

THE GATHERING STORM (2002)
Telefilme premiado com o Globo de Ouro; em 1934, antes de assumir como primeiro-ministro, Churchill (Albert Finney) é ignorado ao discursar contra Hitler

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