'Só segue em frente quem tem vocação extrema', diz Renato Borghi aos 80

IARA BIDERMAN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Renato Borghi, 80, o protagonista masculino de "Romeu e Julieta 80", diz que gostaria de estar apaixonado, "na vida real", agora. "Como assim, Renato, sou sua Juju", brinca Miriam Mehler, 82, a Julieta, durante conversa com a Folha sobre envelhecer, amar e fazer arte hoje no Brasil. Leia os principais trechos:

PAIXÃO

Borghi: "Dizer que a velhice não é mais lugar para a paixão é uma bobagem. Você pode encontrar alguém e querer mudar sua vida por causa dessa pessoa. Se eu hoje, aos 80, encontrar essa pessoa, vou em frente. Mas morrer de amor, como Romeu e Julieta, não. Morrer não vale a pena."

Mehler: "O modo como você se apaixona aos 80 é diferente, mas você ama com a mesma intensidade. Talvez sexualmente mude um pouco, mas o resto não muda nada! O que nos move a vida inteira é a paixão: pelas pessoas, pelo teatro, pela luta.

Morrer de paixão é uma coisa romântica, mas dói muito. Vou é viver de paixão, me apaixonar outra vez."

Crédito: Lenise Pinheiro/Folhapress Lélia Abramo, Cacilda Becker, Walmor Chagas, Jô Soares, Benjamin Cattan e Nilda Maria na peça "Oscar", de Claude Magnier, direção de Cacilda Becker, em 1961
Miriam Mehler e Renato Borghi durante ensaio da peça "Romeu e Julieta 80"

PRECONCEITO

Mehler: "O teatro é mais generoso com artistas mais velhos. A TV quer uma imagem pasteurizada, você não pode ter ruga. Eu sempre falo pra minha dermatologista: 'Por favor, me deixa envelhecer. Se não me quiserem na TV, tudo bem, o teatro vai querer."

Borghi: Achar que velho não tem espaço é coisa de cultura repressiva. Há muito preconceito, especialmente com as mulheres, acham que depois da menopausa já está aposentada. Isso é uma loucura: elas estão lindas, prontas para fazer sexo à vontade, continuam tendo orgasmos.

Às vezes acontece de eu me interessar por uma pessoa e ela nem levar isso em consideração, por causa da minha idade. Mas isso não quer dizer nada, porque você vai conhecendo pessoas e acaba tendo encontros diferentes."

DORES

Borghi: "Fiz três cirurgias na coluna, fiquei paralítico e tive que ser operado pela quarta vez, para voltar a andar. Não sou mais aquela Brastemp, mas não posso me queixar, estou ainda trabalhando. Tenho um secretário que me ajuda, se tem uma fila enorme para pegar o avião, vou de cadeira de rodas.

Não tenho vergonha, a gente faz o que pode dentro de determinadas condições. As minhas condições hoje pedem que eu tome certos cuidados, e eu tomo."

Mehler: "A memória não é mais a mesma e todo dia você levanta com uma dor, coisa que não acontecia na juventude. Antes eu também não precisava tomar tanto remédio. Mas graças a Deus que eles existem, porque a gente pode dar um jeito na saúde."

VOCAÇÃO

Borghi: "Fazer arte e cultura no Brasil sempre foi difícil. Como disse a Fernanda Montenegro, só segue em frente quem tiver uma vocação extrema. Aí você segue lutando, inventando moda para pode subsistir. Produzir depois de velho não é problema, porque no Brasil quem não se produziu ficou à mercê de um destino incerto.

O importante é não ficar parado, sou a prova disso: quando estou no período de entressafra, sem produzir, fico mais deprimido, adoentado, hipocondríaco, fico insuportável. Sou rabugento, mas, quando tenho coisas para fazer, não tenho tempo para sofrer esse tipo de coisa."

Mehler: "Nos últimos sete anos descobri que não é tão difícil continuar fazendo teatro e tendo bons papéis. Se a cabeça está funcionando, a gente segue em frente. Sempre disse que quero morrer no palco, não sei se conseguirei, mas seria maravilhoso."

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