Descrição de chapéu Oscar

Com 'A Forma da Água', Del Toro leva a sua paixão por monstros ao Oscar

Crédito: Divulgação Cena do filme 'A Forma da Água
Cena do filme 'A Forma da Água'

GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO

Nascido e crescido na ultracatólica Guadalajara, o cineasta mexicano Guillermo del Toro era devoto de monstros e tinha os dois pés fincados no ocultismo.

Criança um tanto deslocada, costurou um lobisomem de pelúcia, pediu raiz de mandrágora em certo Natal com o propósito de fazer magia negra e costumava jogar sal nas lesmas para vê-las se retorcendo até derreter.

Filho de um executivo que ganhou na loteria e de uma poeta amadora dada ao tarô, ele desenvolveu uma filmografia em que, curiosamente, monstros podem ser benfazejos, e humanos, ameaçadores.

A maior síntese desse seu "ethos" está expressa em "A Forma da Água". O filme estreia nesta quinta (1º), no Brasil, escorado em uma bem-sucedida trajetória internacional que culminou na indicação a 13 estatuetas no Oscar.

Em seu bojo está o envolvimento entre uma faxineira muda (Sally Hawkins) e uma criatura aquática aprisionada num laboratório secreto.

"Os monstros têm uma dimensão espiritual para mim, são quase religiosos", diz o diretor à Folha, por telefone, de Los Angeles. "Nós, latino-americanos, fomos conquistados e formamos esse sincretismo que combina o catolicismo e as crenças ancestrais. Isso resultou nos monstros."

Embora encenado na distante Guerra Fria, "A Forma da Água" se impõe como manifesto em prol do "outro" em tempos de Trump.

"Sou mexicano. Nós, latinos, vivemos há décadas o que é ser o outro nos Estados Unidos", diz Del Toro. "A ideologia nos separa, mas espero que a fábula volte a nos unir.
"
O fabular é o que distingue "A Forma da Água" de seus principais rivais no Oscar, mais crus e realistas, como "Três Anúncios para um Crime". "Acho que a emoção, e não o rancor, é que vai permitir diálogo", diz o mexicano, coerente com sua obra costurada pelo fantástico.

Não à toa, em seu primeiro curta, de 1987, um garoto invoca o Diabo depois de ter dificuldades para aprender geometria.

Em "O Labirinto do Fauno" (2006), seu longa mais incensado, a fantasia é escape para a enteada de um militar cruel durante o rescaldo da Guerra Civil Espanhola.

Muitas das criaturas que ele criou para os filmes estão expostas como num museu de horrores em sua casa, em Los Angeles, lugar que ele diz defini-lo mais fielmente do que as suas obras.

SEXO MONSTRUOSO

Em "A Forma da Água", a união entre a faxineira Elisa (Hawkins) e o anfíbio pegajoso (papel do ex-mímico Doug Jones) ganha carga sexual.

"Seria perverso omitir essa dimensão, como ocorre na fábula de 'A Bela e a Fera'", afirma o diretor. "É manipulador fingir que não existe erotismo naquela história".

A consumação sexual supre uma frustração que acompanha Del Toro desde que viu pela primeira vez "O Monstro da Lagoa Negra" (1954), a grande referência narrativa para "A Forma da Água".

Na produção de terror dos anos 1950, uma expedição na Amazônia topa com um monstro do pântano, que captura a mocinha de maiô branco (Julie Adams) e a leva para a sua caverna.

No final, a fera era alvejada e a mulher, resgatada, para desapontamento do pequeno Del Toro.

"A inspiração para aquele filme veio de um mexicano que contou uma lenda sobre um homem-peixe brasileiro a um produtor americano. No fim, coube a mim, outro mexicano, a tarefa de fazer as pazes com a mesma história."

Quando o assunto é o seu país, aliás, Del Toro é o único cineasta que ainda não tem um Oscar de direção dentro do trio de mexicanos que se consolidaram em Hollywood entre os anos 1990 e 2000. Os outros são Alejandro González Iñárritu ("Birdman", "O Regresso") e Alfonso Cuarón ("Gravidade", "E Sua Mãe Também"), dois amigos seus.

"Se ganhar, estarei comovido. Mas é imprevisível. O maduro é ir com vontade, só que sem esperar resultados."

Na categoria de direção, contudo, o páreo será especialmente duro e estará na mira do coro por maior representatividade feminina no cinema.

Só há uma mulher entre os cinco diretores indicados neste ano, Greta Gerwig (de "Lady Bird"), que, ao ser ignorada no Globo de Ouro, motivou queixa por parte de Natalie Portman.

"O que estamos comemorando neste ano é a possibilidade de as pessoas dizerem o que elas quiserem", afirma o cineasta sobre o descontentamento que a atriz expressou durante o Globo de Ouro.

Em meio à maratona pré-Oscar, Del Toro é acusado de plágio.

O filho do dramaturgo americano Paul Zindel (1936-2003) diz que o filme usa elementos de uma peça de seu pai, "Let me Hear You Whisper", sem creditá-lo.

Nos dois casos, a história gira em torno do envolvimento entre uma faxineira e um ser aquático num laboratório secreto (na peça, a criatura é um golfinho). Representantes do diretor negam as acusações e afirmam que o diretor sempre foi "muito aberto em atribuir suas influências".

A GRANDE LOJA DE HORRORES
A filmografia monstruosa de Guillermo del Toro

'Geometria' (1987)
Em um de seus primeiros curtas, um garoto invoca o demônio depois de tanto falhar em aprender desenho geométrico

'Cronos' (1993)
No México colonial, um alquimista cria um mecanismo para viver para sempre, mas
falha miseravelmente

'Mutação' (1997)
No seu primeiro longa americano, Del Toro fala de insetos transgênicos que se voltam para acabar com a espécie humana

'A Espinha do Diabo' (2001)
Durante a Guerra Civil Espanhola, um garoto de 12 anos é levado para um orfanato mal-assombrado

'Blade II' (2002)
Del Toro assume a franquia do caçador de vampiros num longa em que o protagonista tem de se unir a seus antigos inimigos

'Hellboy' (2004) e 'Hellboy II' (2008)
Do mundo das HQs, o mexicano pinça um super-herói vindo do inferno que luta contra forças sombrias

'O Labirinto do Fauno' (2006)
Na Espanha pós-Guerra Civil, uma garota passa por provações impostas por um velho fauno

'Círculo de Fogo' (2013)
Quando há um ataque de monstros marinhos, a alternativa da humanidade é recorrer a equipamentos robóticos

'A Colina Escarlate' (2015)
Um casarão gótico e cheio de fantasmas acolhe uma escritora e seu marido misterioso

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