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HQ de fôlego dá protagonismo aos quilombolas de Palmares

Obra pode servir de metáfora do Brasil atual

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São Paulo

ANGOLA JANGA: UMA HISTÓRIA DE PALMARES

  • Preço R$ 89,90 (432 págs.)
  • Autoria Marcelo D’Salete
  • Editora Veneta

São poucos os registros da existência e das lutas em torno do Quilombo dos Palmares, conjunto de assentamentos que virou símbolo da resistência à escravatura.

Imagens da HQ Angola Janga, de Marcelo D'Salete
Trecho de ‘Angola Janga’, HQ de Marcelo D’Salete - Divulgação

Sabe-se que o quilombo era uma conjunção de povoados fundados por escravos fugitivos na serra da Barriga (AL) e que, segundo informes dos seus opositores, tinham alta organização social e militar.

Mas um dos problemas é justamente este: os registros vêm da oposição, os capitães e bandeirantes que desmantelaram Palmares após décadas de guerra no mato.

O ponto de vista dos quilombolas praticamente só pode ser imaginado. E é isso que Marcelo D'Salete faz em "Angola Janga", trabalho de fôlego para dar protagonismo, rostos e drama a figuras de Palmares como Zumbi, Ganga Zumba e Antônio Soares.

D'Salete toma uma rota que lembra filmes de ação de Hollywood: os mocinhos escravos travam batalhas, cada vez mais complexas, contra os vilões colonialistas. Os mocinhos têm dificuldades e dissidências. Os vilões são implacavelmente malvados e têm recursos infinitos.

Pode não haver superpoderes nem tantas explosões. Mas o maniqueísmo típico de Hollywood está ali. Se fosse um filme de grande estúdio, porém, "Angola Janga" seria a Hollywood um pouco mais sofisticada: enquadramentos ousados, a câmera lenta que tenta acompanhar a mente do herói, longas sequências com ares de sonho ou metáfora à moda Terrence Malick.

Em termos de quadrinho, D'Salete utiliza uma estética heterogênea, lembrando o mangá: o traço por vezes mais detalhado e com foco na composição, por vezes mais cartunesco e focado na expressão. As expressões faciais, por exemplo, variam das teatrais e exageradas ao detalhamento nas caras de placidez ou temor dos heróis.

A quadriculação é farta e generosa. Superando as 400 páginas, talvez seja a HQ brasileira mais extensa já lançada de uma vez. D'Salete se dá ao trabalho de alongar as cenas por várias páginas de alta densidade de quadros, geralmente com mudança de plano frenética, até chegar ao tempo dramático que quer impingir.

Em contraste, usa com frequência belos panoramas de meia página que mostram seus dons de composição.

Contrariando a lógica hollywoodiana, os mocinhos perdem. Palmares começou a ser desmantelada pelas forças coloniais no final do século 17. (A cena logo após a morte de Zumbi, no capítulo 10, é o ponto alto do álbum.)

Embora maniqueísta, a trama reflete a lógica simplista, banal, da escravatura: escravos são escravos porque são, sendo a cor de pele o ponto de corte. De outro ponto de vista, a HQ inverte a narrativa histórica que coloca os bandeirantes como heróis e que está bem representada em monumentos e nomes de ruas.

"Angola Janga" ainda pode servir de metáfora do Brasil atual e da lógica simplista na perseguição institucionalizada a direitos civis. O quilombo está perdendo, e as forças do mal continuam banais.

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