Descrição de chapéu
Livros

Trama sobre exilado flui sem provincianismo

Em 'O Clube dos Jardineiros de Fumaça', brasileiro busca refúgio em meio à luta pela liberação da maconha nos EUA

ROBERTO TADDEI
São Paulo

O CLUBE DOS JARDINEIROS DE FUMAÇA

  • Preço R$ 49,90 (368 págs.)
  • Autor Carol Bensimon
  • Editora Companhia das Letras

Em seu terceiro e mais ambicioso livro, a escritora gaúcha Carol Bensimon se insere numa tradição forte em outras literaturas e que tem ganhado espaço no Brasil: o romance de expatriados.

O movimento sugere uma necessidade contemporânea, a de pôr à prova uma suposta identidade brasileira para além dos enredos nacionais. Afinal, esse personagem deve conseguir ter uma experiência fora do país que não seja marcada pelo provincianismo e pelo deslumbre do contato com o diferente.

Plantação de maconha da Desert Grown Farms em Las Vegas, nos EUA
Plantação de maconha da Desert Grown Farms em Las Vegas, nos EUA - Divulgação

Para a romancista, os desafios implicam não só o retratar do brasileiro no exterior mas sobretudo construir personagens de outra nacionalidade com verossimilhança.

Bensimon faz isso com sucesso ao centrar o enredo de "O Clube dos Jardineiros de Fumaça" no condado de Mendocino, na Califórnia, em meio a plantações ilegais de maconha e à luta pela liberação do uso da planta para fins medicinais e recreativos, um negócio de mais de U$ 20 bilhões anuais.

É lá que Arthur, um professor de Porto Alegre, vai parar depois de ser demitido da escola onde lecionava por ter sido pego em flagrante plantando pés de maconha no quintal de casa para ajudar a mãe com câncer terminal.

A experiência fracassada no Brasil mostra-se tímida perto do que o professor encontra em Mendocino.

Lá Arthur conhece gente que cultiva a erva há décadas, arruma um emprego de dichavador em uma plantação e se envolve com uma mulher recém-saída de uma relação poliamorosa fracassada.

Tudo isso enquanto ele vaga um tanto sem propósito pelas estradas do norte da Califórnia.

O tema central do livro de Carol Bensimon é a luta pela liberação do uso da maconha.

Depois de tantos baseados consumidos na trama, chegamos a concordar que a droga seja inofensiva --e, até mesmo, necessária.

Mas, como subtexto, aparece com força no romance a tese de que o Brasil seja um castrador de potenciais e liberdades individuais. Daí a necessidade de tentar a vida longe. Daí a expatriação.

REFLEXÃO TÍMIDA

Arthur chega a ensaiar uma tímida reflexão a respeito das diferenças existentes entre o Sul do Brasil e norte da Califórnia:

"Parece possível que a natureza tenha uma relação íntima com a organização social de um país, e por um momento ele acredita nessa ideia sem restrições, que a retidão das coníferas não é um mero pano de fundo, e que os galhos retorcidos das tipuanas brasileiras teriam levado tanto ao Carnaval quanto à maleabilidade das instituições e à corrupção endêmica".

Mas o personagem brasileiro é ainda um tipo de expatriado acanhado, que não se livra do peso de sua terra natal e, por isso, sua presença não altera significativamente o rumo das coisas.

O exterior aparece aqui ainda como refúgio. E assim as coisas se aquietam.

Há porém uma fragilidade a considerar: o narrador altera constantemente os pontos de vista dos personagens em meio aos capítulos, procedimento que reforça o viés manipulador da onisciência.

É um risco que poderia ter sido evitado, sobretudo num romance de expatriado.

É difícil convencer o leitor de que uma única consciência narrativa, hoje em dia, seja capaz de se apresentar como superior à integridade de personagens com históricos e personalidades tão diversas.

ROBERTO TADDEI é escritor e coordenador da pós-graduação em formação de escritores do Instituto Vera Cruz.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.