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Heinrich Heine narra fantasmagoria social com vigorosa liberdade

Interesse por obra do poeta voltou a florescer nas livrarias brasileiras

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ALCINO LEITE NETO
São Paulo

noites fiorentinas

  • Preço R$ 68,90 (112 págs.)
  • Autoria Heinrich Heine
  • Editora Carambaia
  • Tradução Marcelo Backes

Poeta extraordinário, Heinrich Heine (1797-1856) foi também um prosador e ensaísta de primeira grandeza, além de atuante jornalista, insubmisso e progressista, cujo trabalho teve forte impacto em sua época.


O poeta alemão Heinrich Heine (1797-1856) - Reprodução

Nos últimos anos, o interesse por sua obra voltou a florescer nas livrarias brasileiras, com o lançamento de boas e importantes edições.

No domínio da poesia, destacam-se a tradução da obra-prima "Alemanha - Um Conto de Inverno", por Romero Freitas e Georg Wink (ed. Crisálida), e uma portentosa coletânea de poemas traduzidos por André Vallias em "Heine, Hein? Poeta dos contrários" (Perspectiva), ambas edições de 2011.

No campo da prosa literária, do ensaísmo e do jornalismo, vale ressaltar a publicação de "Das Memórias do Senhor de Schnabelewopski", traduzidas por Marcelo Backes (Boitempo, 2001), "Os Deuses no Exílio", livro organizado e traduzido por Marcio Suzuki e Marta Kawano (e outros tradutores, Iluminuras, 2009), "O Rabi de Bacherach e Três Textos Sobre o Ódio Racial" (Hedra, 2011), sob os cuidados do professor e tradutor Marcus Mazzari, e "Viagem ao Harz" (ed. 34, 2013), que Mauricio Mendonça Cardozo traduziu dos famosos "Quadros de Viagem".

São obras essenciais, todas elas, para um mergulho seguro na literatura de Heine.

E parece que essa singular "heinemania" ainda deve durar: uma ótima tradução de Backes de "Noites Florentinas" acaba de ser lançada pela Carambaia, em edição que ganhou caprichado projeto gráfico de Mateus Valadares.

Duas noites

"Noites Florentinas" é uma invenção fascinante da prosa de Heine.

Supõe-se que o autor quisesse fazer uma espécie de "Mil e uma Noites" às avessas, com pitadas do "Decameron", de Boccaccio --um misto de ficção e crônica social, com as impressões de suas viagens à França, Itália e Inglaterra. O projeto, porém, ficou incompleto, e apenas o relato de duas noites foi publicado, em 1836.

A fim de retardar a morte de sua amiga Maria, italiana que padece de um mal incurável, e reinsuflar nela a "joie de vivre" e o gosto do mundo e da mundanidade, o alemão Maximilian a visita noite após noite para lhe contar histórias de seus amores e casos dos salões europeus.

Maximilian rememora suas paixões decisivas: uma estátua no jardim, a madona numa igreja, a lembrança de uma morta e certa mulher que lhe apareceu em sonho.

"Como me torturaram as mulheres vivas", diz ele, dando a ver que o seu desejo extrapola os limites entre o vivo e o morto, o orgânico e inorgânico, o sensível e o ideal, transitando entre lá e cá. A doença de Maria impede o contato luxurioso, mas, por isso mesmo, um hipnótico erotismo irradia sem cessar da conversa entre a curiosa enferma e o perverso delirante.

Maria também quer saber dos saraus, dos concertos, da vida nas cidades e nos países.

Heine deixa então transbordar a sua tão característica ironia, o seu olhar arguto e demolidor, o seu lirismo das pequenas e estranhas coisas, fazendo um intenso e muito divertido relato sobre a elite artística do período, em particular os grandes músicos, como Bellini e Paganini, as idiossincrasias dos salões, as manias dos povos, as torturas do matrimônio e "a grosseria da Alemanha", tudo entremeado de observações sutis sobre a situação política e social da época.

Em um texto fundamental sobre Heine, o ensaísta Erwin Theodor escreveu que a prosa do autor alemão desmonta "o edifício de um universo harmônico e belo, revelando-o como frágil embuste, enquanto o substitui por um cosmos fragmentado, sujeito a contínuas mutações".

É o que o leitor encontra em "Noites Florentinas".

Indiferente às regras literárias e às limitações dos gêneros, movido por vigorosa liberdade intelectual e uma voluptuosa visão das fantasmagorias da vida social, Heine embaralha o conto, a crônica, a sátira, a fábula, a fantasia e a digressão política, montando uma narrativa multiforme, inconvencional, debochada e, por isso mesmo, incrivelmente moderna.

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