Verdade e realidade não andam juntas necessariamente, diz Margot Robbie

Atriz de 'Eu, Tonya' defende ponto de vista da patinadora e refuta que o longa tenha minimizado a violência

CARA BUCKLEY
A atriz Margot Robbie posa em Nova York - NYT

"A pior coisa que há em um relacionamento doméstico abusivo é o fato de que ele se torna um círculo vicioso. Queríamos enfatizar que isso é uma rotina para Tonya, porque aconteceu durante toda sua vida Ela não se encaixava, não era a imagem que o mundo da patinação artística queria como face do esporte nos EUA

Margot Robbie adorou o roteiro de "Eu, Tonya", um filme maluco e desalentador sobre a patinadora artística norte-americana Tonya Harding e seu ataque contra a rival Nancy Kerrigan, em 1994.

Mas a atriz temia que ninguém a deixasse interpretar o papel-título, especialmente porque ela é australiana.

"Sofro da síndrome do impostor, com todos os meus personagens", disse a atriz em uma entrevista no Greenwich Hotel, em Manhattan, no final de novembro.

Robbie terminou também no time dos produtores do filme, que lhe valeu sua primeira indicação ao Oscar.

A atriz também falou sobre como encara o escândalo de 1994 e sobre as críticas à maneira pela qual o filme retrata a violência doméstica.

 

Imagino que na sua infância não tenha havido muito gelo.

Margot Robbie - Gelo nenhum. Quando criança, nunca patinei no gelo. Depois que me mudei para os Estados Unidos, entrei para um time de hóquei sobre o gelo, porque adorava o filme "Nós Somos os Campeões", quando era menina e sempre quis jogar hóquei sobre o gelo.

Você foi do zero ao hóquei?

Eu simplesmente corria sobre o gelo de patins. Mas você joga toda acolchoada. Eu não sabia parar, então eu corria e, para parar, batia em outra jogadora, ou na barreira lateral, ou caía. Isso era tudo que eu sabia sobre patinar no gelo até que apareceu o filme e comecei a treinar. Foi só então que usei pela primeira vez os patins de patinação artística, e descobri que são muito diferentes dos de hóquei.

Você dançava ou fazia ginástica artística quando menina?

Estudei balé dos 5 aos 15 anos. Isso ajudou bastante, na verdade. A única parte realmente assustadora era o gelo. Eu tinha de parecer excelente como patinadora. A primeira vez que tentei erguer uma perna para uma manobra, caí para trás e perdi o fôlego. Nossa sorte era contarmos com uma excelente coreógrafa de patinação artística, Sarah Kawahara. Ela trabalhou em algumas coreografias para Nancy (Kerrigan) na época. Eu pedia desculpas o tempo todo: "Deve ser muito frustrante para você ter que me aguentar, por favor desculpe".

Você ouviu falar de Tonya Harding, quando era criança?

Eu tinha quatro anos na época e, por isso, não ouvi nada. Mas quando comecei a estudar a história fiquei fascinada. Consegui entender porque todo mundo ficou tão interessado por ela na época.

Apetite por escândalo sempre existiu, mas esse foi um acontecimento que ganhou escala, virou uma bola de neve mundial. Duas mulheres em oposição, a categorização de pessoas por meio de rótulos simples, as manchetes espalhafatosas. Creio que deva ter sido especialmente traumático passar por aquilo vindo da criação que ela teve e sem contar com uma rede de apoio ou com os recursos financeiros para se proteger.

Ela era a vilã.

Nada disso foi justo para Nancy, tampouco. Ela foi retratada como uma pessoa fresca, a rainha do gelo, cheia de melindres. Mas vinha de uma família operária. E, no final das contas, as duas eram atletas. Todo mundo comentava sem parar a aparência das duas. Mas a aparência não era a questão. Elas eram atletas; não modelos.

Mas a aparência importava no mundo da patinação artística.

Importava, e grande parte de nossa história vem do fato de Tonya não se encaixar. Ela não era a imagem que o mundo da patinação artística queria como face do esporte nos Estados Unidos. Estava sempre em busca de validação, sempre em busca de afeto e amor, fosse de sua mãe, do marido, da mídia, do público, da federação de patinação, dos outros patinadores --de quem quer que fosse. É trágico que ela nunca tenha conseguido o que queria.

Você passou muito tempo com ela?

Meu primeiro encontro com ela foi duas semanas antes de começarmos a filmar. Eu vinha postergando, até ali, porque queria fazer todos os meus preparativos para interpretar a personagem antes de conversar com ela.

Há muitas imagens de Tonya. Passeis seis meses assistindo a clipes, vídeos e entrevistas de Tonya Harding, sem parar. Coloquei tudo aquilo no meu iPod e, na hora de dormir, ficava ouvindo sua voz.

Houve algum desconforto, ao conhecê-la?

Não, ela foi realmente compreensiva a respeito do projeto. Craig [Gillespie, o diretor] e eu queríamos dizer: "Estamos fazendo uma coisa estranha, um filme meio sobre sua vida, meio que não". Não se trata de uma cinebiografia tradicional ou de um documentário; é um filme de ficção. Eu queria dizer a ela: "Espero que você compreenda que estou interpretando uma personagem. E na minha cabeça você e a personagem são completamente diferentes".

Ela aceitou tudo muito bem. Se eu estivesse na posição dela, teria pirado. Ela disse: "Compreendo que vocês tenham de fazer o que têm de fazer". A maior preocupação dela era como eu estava me saindo com os treinos de patinação. Ela me ofereceu ajuda, disse que podia treinar comigo. Foi muito gentil e compreensiva.

Uma crítica ao longa é que a violência foi minimizada, mais ou menos ao modo Tarantino —quase como se vocês estivessem zombando disso.

Sou muito fã de Tarantino e já o ouvi descrever a violência de seus filmes como sensacionalizada. E não foi isso que fizemos, de modo algum.

Craig teve a ideia, muito inteligente, de colocar a personagem falando diretamente para a câmera nos momentos em que Tonya se desconecta emocionalmente daquilo que está acontecendo, fisicamente, com ela, naquele instante.

Uma coisa que ficou, de todos os registros em imagem que vi de Tonya, foi um documentário a seu respeito, gravado quando ela tinha 15 anos. Ela era muito franca, vulnerável e insegura. Olha para a câmera e diz "minha mãe é alcoólatra, e me bate".

A pior coisa que há em um relacionamento doméstico abusivo é o fato de que ele se torna um círculo vicioso.

E nós a vemos voltar (ao seu primeiro marido, Jeff Gillooly) diversas vezes. Queríamos enfatizar que isso é uma rotina para ela, porque aconteceu durante toda sua vida. Ela pode se desconectar emocionalmente em um momento e falar direto para a plateia, simplesmente descrevendo as coisas.

Você pode nos contar o que acha que de fato aconteceu?

Lá pela metade do projeto nós deixamos esse debate de lado. A questão é que cada pessoa tem sua verdade. E verdade e realidade não necessariamente caminham juntas. As pessoas dizem que algo aconteceu de determinada maneira porque precisam viver consigo mesmas.

A criação de Tonya e sua vida me interessaram demais, e, na minha opinião, ela foi tratada de maneira muito injusta. Não importa o que você ache que tenha acontecido. Não creio que ela tenha merecido a punição que recebeu.

Tradução PAULO MIGLIACCI

 

 

ATRIZ CORINGA

'Pan  Am' (2011) Na série histórica, Margot Robbie é a mais célebre das aeromoças da glamorosa companhia aérea

'O Lobo de Wall Street' (2013) Chamou a atenção como a mulher de DiCaprio no longa de Martin Scorsese

'Golpe Duplo' (2015) Faz o papel de uma 'femme fatale' que atormenta o protagonista, vivido por Will Smith

'A Grande Aposta' (2015) Numa ponta, ela surge numa banheira para explicar o significado de conceitos econômicos

'A Lenda de Tarzan' (2016) Faz Jane, o par amoroso de Tarzan, no filme em que ele volta à sua selva originária

'Esquadrão Suicida' (2016) Raro brilho num filme irregular, ela vive Arlequina, amante do Coringa

'Eu, Tonya' (2017) Disputa seu primeiro Oscar pelo papel da controversa patinadora olímpica Tonya Harding

... e é cotada para interpretar a atriz Sharon Tate , morta em 1969, no filme que o diretor Quentin Tarantino prepara sobre aquele ano

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