Clint Eastwood põe turistas que evitaram atentado para viver seus papéis na tela

'15h17 - Trem para Paris' dramatiza as ações de três amigos para impedir ataque terrorista

BRUCE FRETTS
Nova York
Clint Eastwood conversa com atores de "15h17 – Trem para Paris"
Spencer Stone (esq.) e Anthony Sadler (dir.) conversam com Clint Eastwood no set de ‘15h17 - Trem para Paris’ - Keith Bernstein/Divulgação

Clint Eastwood aprendeu uma lição valiosa ao subir à sela para interpretar o papel de Clint Eastwood em um episódio da série equina de humor "Mister Ed", em 1962.

"Foi quando eu percebi que não queria pensar demais sobre as coisas'", disse o cineasta. "Para um ator profissional, a coisa mais difícil é interpretar a si mesmo. A maioria dos atores se esconde por trás de seus papéis, e a verdade é que eles não sabem quem são realmente."

Por isso, quando Eastwood escalou Spencer Stone, Alek Skarlatos e Anthony Sadler para viverem a si mesmos em seu novo filme, "15h17 - Trem para Paris", que dramatiza as ações dos três amigos para evitar um ataque terrorista em um trem que estava a caminho de Paris em 2015, ele não permitiu que fizessem aulas de interpretação.

"Ele disse que era melhor que não fizéssemos isso, porque causaria a impressão de que estávamos atuando", disse Stone. "Ele não queria ser Hollywood demais."

Stone, que na época era aviador na Força Aérea dos EUA, e Skarlatos, que estava retornando de um período de serviço ativo no Afeganistão, estavam de férias na Europa com Sadler, seu amigo de infância, que estava estudando cinesiologia. Quando um atirador abriu fogo no trem de alta velocidade em que viajavam, Stone e os amigos conseguiram subjugá-lo.

Os três e outros passageiros que ajudaram foram condecorados pelo governo francês com a Legião de Honra, a maior das honrarias do país.

"15h17 - Trem para Paris" é o terceiro filme consecutivo de Eastwood baseado em acontecimentos recentes. Ele contou a história do piloto Chesley Sullenberg 3º, que em 2009 conseguiu pousar um jato de passageiros danificado nas águas do rio Hudson, em "Sully - o Herói do Rio Hudson", e a de Chris Kyle, integrante de uma unidade Seal da Marinha dos EUA, em "Sniper Americano".

Mas o cineasta não tem planos de abusar dessa tendência. "Não planejo coisa alguma", disse em recente entrevista por telefone. "Acho que perdemos tempo demais pensando, nessa vida. Quando você faz um filme, deve deixar que as coisas aconteçam como vierem."

Seus dois filmes precedentes contavam com atores experientes. Já "15h17 - Trem para Paris" é parte de uma longa tradição de filmes protagonizados por heróis reais.

Jackie Robinson, o pioneiro na integração racial do beisebol americano, interpretou a si mesmo em "The Jackie Robinson Story" (1950), e Audie Murphy, veterano da Segunda Guerra, reproduziu nas telas suas ações no campo de batalha, em "Terrível Como o Inferno" (1955).

Os astros do novo filme conheceram o cineasta quando ele foi o encarregado de lhes entregar seus Hero Awards na cerimônia do Guys Choice Awards, do canal Spike de TV a cabo, em 2016.

"Nós três conversamos e combinamos que, nem que em tom de brincadeira, devíamos propor que ele dirigisse um filme sobre a história, porque estávamos trabalhando em um livro na época e não queríamos desperdiçar a oportunidade", recorda Sadler. "E ele respondeu pedindo que lhe mandássemos o livro, porque nunca se sabe."

O diretor leu a história inspiradora e gostou dela, e, depois que a roteirista Dorothy Blyskal adaptou o livro, começou a testar atores para os papéis centrais.

Stone, Skarlatos e Sadler sugeririam, brincando, que deveriam ser interpretados por Chris Hemsworth, Zac Efron e Michael B. Jordan.

"E eu tive uma ideia maluca de que talvez devessem interpretar a si mesmos", disse o cineasta Clint Eastwood. "Eles têm carisma genuíno. Decidi correr o risco, por que não? Se alguma coisa tivesse dado errado, o que poderiam fazer comigo?"

Três semanas antes das filmagens, Eastwood pediu que os três fossem a uma reunião para discutir a veracidade do roteiro. Mas Eastwood tinha uma câmera, e pediu que eles reencenassem o acontecido. Em seguida, lhes ofereceu a oportunidade de fazerem os seus próprios papéis.

"Não tínhamos pensado nisso nem como piada", disse Skarlatos, que, como seus amigos, não tinha trabalhado como ator nem em peças escolares. "Quando ele nos convidou, respondemos sim imediatamente, porque não se diz não a Clint Eastwood."

Stone chegou a duvidar da decisão, durante o primeiro dia de filmagem, na metade do ano passado.

"As primeiras tomadas que fiz deram muito errado, e eu disse para mim mesmo que aceitei a proposta porque quis e que tinha de me concentrar e fazer bem o trabalho. Depois disso, as coisas ficaram mais fáceis."

A atmosfera tranquila pela qual os sets de Eastwood são conhecidos ajudou a acalmar os nervos dos novatos.

"Eu me tornei especialista em combater a ansiedade", disse o diretor. "O importante é não abalar o sistema nervoso das pessoas."

O trio disse que Eastwood também manteve a simplicidade em suas instruções.

"Ele falava conosco como falava com os outros atores e não nos dava muitas instruções em termos de direção", disse Skarlatos, que contracenou com colegas experientes como Jenna Fischer, no papel de sua mãe, e Judy Greer, como a mãe de Stone.

"Tudo o que nos disse foi que devíamos fazer exatamente o que fizemos no trem. Ele nos deixou fazer nosso trabalho sem interferir, o que foi estranho, porque nosso trabalho não era atuar, antes."

CARREIRA

Mas a situação mudou. Os três pretendem continuar atuando —Stone e Skarlatos deixaram as Forças Armadas.

Os novatos receberam conselhos de Eastwood. "Eu disse que, depois das filmagens, eles podiam fazer aulas de interpretação. Isso provavelmente vai atrapalhá-los um tempo, mas no fim dá certo."

Quanto ao seu futuro, Eastwood não tem nada definido.

Ele começou a trabalhar como diretor em 1971, quando substituiu Don Siegel, que estava gripado, durante as filmagens de "Perseguidor Implacável". "Pensei que tentaria por um tempo e que chegaria o dia em que eu olharia para a tela e diria 'argh'." "Não sei se isso já aconteceu. Mas nunca me entediei."

Aos 87, ele tampouco descarta voltar a trabalhar como ator, se aparecer um papel interessante. Ainda que não esteja diante das câmeras no filme, um pôster de seu "Cartas de Iwo Jima" decora o quarto de infância de Stone.

"Não quero desviar a atenção do espectador", disse.

No fim, como disse Dirty Harry em "Magnum 44", "um homem precisa conhecer suas limitações".

Pena que Eastwood não soubesse disso ao participar de "Mister Ed".

"Aquilo não foi um exemplo de grande interpretação, tenho certeza", ele disse, rindo. "Já faz muito tempo que não vejo aquela cena."

Tradução PAULO MIGLIACCI

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