Getúlio Vargas escreveu no seu diário que se incomodava em posar para escultores.
No entanto, conforme mostram imagens de julho de 1941, ele parecia bem à vontade ao lado do americano Jo Davidson, que moldou o busto do ditador do Estado Novo.
Apesar da postura rígida, necessária para o trabalho do escultor, Getúlio sorria ao observar suas feições na pedra.
Esses registros estão nos minutos iniciais de "Imagens do Estado Novo - 1937 a 1945", dirigido por Eduardo Escorel. Premiado no festival É Tudo Verdade de 2016, o documentário estreia nesta quinta (15) em São Paulo, Rio e Brasília.
O novo filme é o quarto capítulo de uma série iniciada em 1990, quando a extinta TV Manchete exibiu "1930 - Tempo da Revolução", sobre a ascensão de Getúlio após a deposição de Washington Luís.
Nos anos seguintes, Escorel dirigiu "32 - A Guerra Civil" (1993), sobre a revolução constitucionalista, e "35 - O Assalto ao Poder" (2002), a respeito do levante comunista comandado por Luís Carlos Prestes.
Esses três filmes iniciais expuseram conflitos entre grupos políticos que resultaram em vitórias de Getúlio. Não era o bastante, contudo, para o gaúcho de São Borja.
Em novembro de 1937, ele comandou um golpe de Estado e exerceu o poder como lhe convinha, dissolvendo o Congresso e os partidos.
O presidente deu lugar ao ditador no período que ficou conhecido como Estado Novo e se estendeu até 1945, quando Getúlio renunciou.
É a essa fase que Escorel se dedica neste novo filme, produzido por Cláudio Kahns, assim como os anteriores.
Das quatro produções, "Imagens do Estado Novo" é, sob vários aspectos, a mais ambiciosa, a começar pela duração. São quase quatro horas de filme, a serem exibidas nos cinemas com um intervalo de 15 minutos.
Escorel montou uma alternativa com menos de duas horas, mas não se satisfez com o resultado. "Virou um documentário de arquivo mais tradicional", disse.
A versão reduzida excluía imagens e textos da época sem ligação direta com os rumos do Estado Novo, como as cartas enviadas pela população a Getúlio e as cenas de festas no Cassino da Urca.
Para o diretor, registros como esses "são tão ou mais importantes que os fatos em si".
A pesquisa das imagens, aliás, conduz a outro aspecto que ressalta a vocação do filme para os superlativos.
A preparação se estendeu por 12 anos, boa parte deles voltados à busca de cinejornais e fotos em cerca de 40 arquivos, espalhados por Brasil, EUA e Alemanha.
Há imagens inéditas, como a celebração ao nazismo em Blumenau (SC), com participação de alemães. Foram encontradas pelo pesquisador Antonio Venâncio em Berlim.
Também são muitas raras as passagens com um homem-chave da era Vargas, o ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha.
O documentário não se restringe às figuras notáveis da política e às obras de vulto —o Estado Novo impulsionou a indústria de base no Brasil.
Reproduz também imagens de nomes de prestígio da cultura que estavam, de algum modo, ligados ao regime, como Carlos Drummond de Andrade e Grande Otelo.
Em uma cerimônia com Getúlio 17 dias depois do golpe, Villa-Lobos aparece regendo um coro de jovens. Nessa ocasião, bandeiras estaduais, como a de São Paulo, foram solenemente queimadas.
Houve, por outro lado, expoentes das artes presos pela oposição ao regime, como Monteiro Lobato e Jorge Amado. Os comunistas eram alvo da polícia do Estado Novo, e muitos sofreram tortura.
IMAGENS EM QUESTÃO
Logo no início, o narrador em off, o próprio Escorel, questiona: "É possível fazer um documentário sobre o Estado Novo usando os mesmos filmes produzidos para fazer propaganda do regime?".
Sob a influência de expoentes da história do documentário, como o francês Chris Marker e o tcheco Harun Farocki, o filme comenta as próprias imagens, confrontando-as com outras fontes.
Esse caminho também reflete o diálogo com o diretor e jornalista João Moreira Salles, de quem Escorel foi montador em filmes como "No Intenso Agora" (2017).
Ainda neste ano, "Imagens do Estado Novo" será exibido, em episódios, na TV Cultura e no Canal Curta.
Veja salas e horários de exibição.
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