Descrição de chapéu
Artes Cênicas teatro

Espetáculo provoca ruído ao contrapor sagrado e profano

Montagem para 'Senhora dos Afogados' faz combinação prolixa de signos 

amilton de azevedo
São Paulo

SENHORA DOS AFOGADOS

  • Quando sex. e sáb., às 21h, dom., às 19h; até 29/4
  • Onde Teatro Porto Seguro, al. Barão de Piracicaba, 740, tel. (11) 3226-7300
  • Preço R$ 70 a R$ 90
  • Classificação 16 anos

Depois de encenar "Álbum de Família" e, mais recentemente, "Dorotéia", Jorge Farjalla se debruça em mais uma das peças míticas de Nelson Rodrigues. "Senhora dos Afogados", escrita em 1947, traz a história da pudica família Drummond —cuja fidelidade conjugal se mantém firme após 300 anos e cujas mulheres parecem inevitavelmente atraídas pelo mar.

A trama acompanha dois dias na casa da família. Clarinha acaba de falecer, afogada --antes dela, havia morrido da mesma maneira Dora, sua irmã. Moema (Karen Junqueira) agora é a única filha de Misael (João Vitti) e D. Eduarda (Alexia Dechamps).

Peça "Senhora dos Afogados", em montagem do diretor Jorge Farjalla
Os atores Rafael Vitti e Alexia Dechamps em cena de "Senhora dos Afogados" - Carol Beiriz/Divulgação

Ao longo dos seis quadros divididos em três atos, desvelam-se acontecimentos terríveis do passado e do presente; todos repletos de pulsões de amor e de morte.

Na rubrica inicial do texto, o mar é apresentado por Rodrigues como personagem invisível da obra. A luz de um farol revela a obsessão da família pela intermitência metafórica entre a luz e a sombra. O coro de vizinhos é formado por figuras espectrais. Tal lirismo permeia toda a construção do enredo.

A encenação de Farjalla —que assina também a adaptação na dramaturgia— escolhe localizar a família em Recife, onde o autor viveu na infância. Insere a ação em um lugar definido; os personagens possuem sotaque pernambucano, e a casa é em um mangue.

Ao mesmo tempo que a cenografia de José Dias estabelece este ambiente, ela também se mantém sugestiva. No entanto, o farol, imponente no centro do palco, parece servir mais de dispositivo cênico do que referenciar ao simbólico de sua luz.

O campo arquetípico se encontra em trânsito frequente com o terreno. O espetáculo trabalha com signos do sagrado e do profano. Tendo a cruz como elemento mais forte neste sentido, por vezes não é simples compreender as imagens apresentadas.

O pecado e a culpa estão inegavelmente presentes em "Senhora dos Afogados". Porém, certas sugestões e propostas da obra parecem não se concretizar na cena. É o caso do paralelo das personagens com orixás, presente em textos do programa e, no palco, efetivado apenas no canto para Iemanjá, que abre e encerra o espetáculo.

A construção do coro de vizinhos (e o de prostitutas, de belo trabalho musical), realizada no revezamento do elenco, é uma escolha acertada da direção. Sua presença é constante; os integrantes estão em todos os lugares, são todas as pessoas. No geral, o trabalho dos atores e atrizes se apresenta compatível às propostas da direção.

Encarando a obra rodriguiana sem medo de friccioná-la com nossa contemporaneidade, Farjalla mostra-se consciente de que o texto por si talvez já não choque nossa moral, como fazia no século passado. Dessa maneira, busca pelo diálogo ainda possível com as questões atemporais presentes no texto.

Mesmo repleta de elementos trágicos, "Senhora dos Afogados" possui certa comicidade, explorada no espetáculo. No entanto, há sempre o risco de, ao jogar com o concreto e o arquetípico, ambos perderem potência. Por vezes, certas escolhas enfraquecem o que há de transcendental.

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