Descrição de chapéu
Artes Cênicas teatro

Grupo os Satyros cria bela narrativa de histórias singulares

Peça reúne transexual, egressos do sistema carcerário, idoso e refugiada síria

Amilton de Azevedo
São Paulo

O INCRÍVEL MUNDO DOS BALDIOS

  • Quando qui. e sex., às 21h, sáb., às 19h30 e às 21h30, dom., às 19h30; até 26/8
  • Onde Satyros Um, pça. Roosevelt, 214, tel. (11) 3258-6345
  • Preço R$ 5 a R$ 20
  • Classificação livre

Unindo ética e estética, o grupo Os Satyros consolida sua importância sem abrir mão de uma pesquisa autoral de linguagem em "O Incrível Mundo dos Baldios".

Há um jogo interessante com os significados da palavra "baldio": o de terrenos inúteis, abandonados; e o de espaço comunal. A fricção entre o abandono e o encontro permeia o espetáculo. Ao apresentar seus baldios, a obra se engrandece por não ignorar que existem pessoas por trás das histórias.

Em tempos de grandes demandas por representatividade no teatro, o elenco conta com uma transexual, dois egressos do sistema carcerário, um idoso e uma refugiada síria —cujas histórias pessoais inspiraram a dramaturgia.

Uma possível oscilação nas interpretações é muito bem resolvida por um recurso dramatúrgico e simbólico: Ivam Cabral é um peregrino, condutor das narrativas.

Tal personagem serve de costura para o enredo e carrega forte potência imagética nessa figura que colhe histórias por onde passa —ao mesmo tempo, suas intervenções protegem atores e atrizes menos experientes.

A figura do anjo (Henrique Mello) dialoga com o lugar transcendental e o terreno dos milagres —mote central da encenação. Sua presença entre os quadros transita com lirismo por reflexões sobre a vida e o cotidiano humano.

É em belos encontros entre essas duas personagens que "O Incrível Mundo dos Baldios" se inicia e se encerra. Se no começo uma interação misteriosa é sugerida, a conversa do final revela muito do tom da peça, sem roubar do espectador sua própria de leitura.

A encenação de Rodolfo García Vázquez em muitos momentos encanta pela sutileza. Ao mesmo tempo, as perucas assumem de forma escancarada sua teatralidade, e os figurinos são representativos.

A peça apresenta, em cinco quadros, diferentes situações que se passam no Ano-Novo. São diferentes visões acerca de milagres, aqui vistos como eventos improváveis, tendo em comum a transformação gerada por eles.

Assim como o peregrino de Cabral, narrador quase onisciente que lança luz sobre questões apresentadas, também outros atores fazem uso de falas diretas à plateia como forma de comentário ou ilustração de pensamento. Por vezes, parecem carecer de maior precisão e clareza.

Cada quadro possui potência e tom distinto (cômicos, poéticos, críticos) e atingem o público de diversas maneiras. Cabe ressaltar a bela interpretação de Roberto Francisco, que traz brilho especial para a primeira situação.

"O Incrível Mundo dos Baldios" assume o teatral para redimensionar histórias singulares. A bela dramaturgia de Cabral e Vázquez, em consonância com a linguagem do grupo, celebra o milagre das escolhas e do acaso.

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