Aos 50, '2001 - Uma Odisseia no Espaço' ganha biografia e se mantém surpreendente

Pesquisador lança livro em que conta bastidores das filmagens

Sérgio Rizzo
São Paulo

Se você pertence ao extenso grupo de pessoas que não se fascinou ou entendeu “2001: Uma Odisseia no Espaço” à primeira vista, sinta-se em boa companhia: o escritor Arthur C. Clarke (1917-2008), parceiro de Stanley Kubrick (1928-99) no roteiro do filme, passou por uma experiência parecida.

“Ele ficou realmente chocado quando viu a primeira versão”, relata Michael Benson, autor de “2001: Uma Odisseia no Espaço - Stanley Kubrick, Arthur C. Clarke e a Criação de uma Obra-Prima”. O lançamento da editora Todavia no país coincide com o 50º aniversário de estreia do longa.

Ilustração do diretor Stanley Kubrick por João Montanaro
Ilustração do diretor Stanley Kubrick por João Montanaro - João Montanaro

Na introdução, o pesquisador vê “2001” como uma versão moderna de “Odisseia”, de Homero. Clarke e Kubrick usaram a “ciência como uma espécie de prisma” em uma narrativa que abarca 4 milhões de anos de evolução humana, desde os homens-macacos até as viagens espaciais com uso de inteligência artificial.  

 

O filme salta para “esse futuro feliz com um corte temporal que merecidamente ganhou a reputação de ser a transição mais extraordinária da história do cinema”, diz Benson. O osso usado de modo pioneiro por um ancestral como arma se torna estação espacial. 

O filme teve sua première em 2 de abril, em Washington, estreou no dia seguinte em circuito americano e chegou ao Brasil no dia 29 daquele mês.

“Clarke era um cara verbal, e ‘2001’ era uma experiência não verbal”, explica Benson. Quase dez anos depois, o escritor admitiria à BBC que o sucesso do filme foi “uma grande surpresa” para ele.

A versão de “2001” a que Clarke assistiu inicialmente não corresponde à definitiva. Preocupado com as reações negativas nas pré-estreias.

Kubrick remontou às pressas o material, com o filme já em cartaz, e o reduziu em cerca de 19 minutos, para 149 ao todo. 

Foram cortadas cenas com sábios comentando as questões do filme e um balé espacial. Mas sobreviveram 88 minutos sem diálogos, como as sequências de abertura, de 25 minutos, e a final, de 23.

Essa e inúmeras outras histórias sobre os bastidores —algumas tensas, outras divertidas, mas todas saborosas— são reconstituídas por Benson a partir de entrevistas e de pesquisa que incluiu documentos de produção e diversos livros e artigos sobre a participação de seus autores em “2001”.

DESCOBERTAS

Benson não sabe dizer quantas vezes assistiu a “2001” —a primeira foi aos seis anos, levado pela mãe, “uma legítima admiradora de Clarke”, em 1968— e que, apesar disso e das leituras que havia feito anteriormente, encontrou na pesquisa para o livro “um monte de coisas que não conhecia”.

Uma delas diz respeito à “fonte da angústia financeira” de Clarke durante a realização de “2001”, e que desencadeou uma onda de tensão com Kubrick em torno da publicação do romance baseado no roteiro. O autor precisava do dinheiro, mas o diretor não quis que o livro viesse antes do filme.

“Descobri que Michael Wilson, namorado de Arthur e também diretor de cinema, era quem drenava os seus recursos financeiros.” Benson gosta da imagem de Arthur voando de Londres (onde “2001” foi rodado) para Colombo (no Sri Lanka, onde ele e Wilson viviam), e em ambos os lugares havia “uma crise de filmagem”.

O pesquisador também só descobriu na apuração recente que o dublê Bill Weston quase morreu asfixiado, pendurado no alto do estúdio, porque Kubrick, o perfeccionista, não permitiu que houvesse buracos na parte traseira do seu capacete espacial.

O principal eixo do livro é a “grande equipe” de talentos complementares formada pela dupla Kubrick e Clarke. 

“Arthur era otimista e tinha um modo utópico de olhar para o avanço da tecnologia. Kubrick era muito mais cético. Então, se você tira Clarke desse time, o que sai é ‘Laranja Mecânica’” —referência ao distópico longa que o diretor fez após “2001”, e do qual Benson não gosta “nem um pouco”.

CURIOSIDADES

Leilão
O modelo da nave Aries 1B Trans-Kunar, que leva os astronautas à base lunar, foi leiloado em 2015 por US$ 334 mil. Quem comprou? A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, a que distribui Oscars

Não é para entender
Certa vez Arthur C. Clarke disse: “Se você entende ‘2001’ completamente, nós falhamos. Queríamos levantar mais perguntas do que respondê-las”

Sucesso
A ficção é o maior sucesso comercial de Kubrick. O filme faturou US$ 398 mi em valores atuais (mais que o dobro de ‘O Iluminado’)

Pé na Lua
Esse foi o último filme de ficção no qual o homem pisou na Lua antes de… o homem pisar realmente lá, em 1969

Homenagem
O longa será exibido no festival de Cannes deste ano, com apresentação do diretor de ‘Interestelar’, Christopher Nolan, grande fã de ‘2001’

Nem tudo azul
A valsa ‘O Danúbio Azul’, 
de Johann Strauss, não era a primeira opção de Kubrick para uma das sequências na estação espacial. O diretor preferia ‘Sonhos de uma Noite de Verão’, de Felix Mendelssohn

Poderia ser maior
De acordo com Douglas Trumbull, supervisor de efeitos visuais, o montante do material filmado dava para fazer algo 200 vezes maior que a versão final (que tem 149 minutos)

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