Descrição de chapéu Cinema festival de cannes

Em Cannes, longa mostra como homem pode descambar para o crime

'A violência te contamina', diz Matteo Garrone, que volta a Nápoles em 'Dogman'

Cena do filme 'Dogman', de Matteo Garrone, em competição no Festival de Cannes 2018
O ator Marcello Fonte protagoniza ‘Dogman’, filme de Matteo Garrone - Divulgação
Guilherme Genestreti
Cannes (França)

Depois de uma incursão pela fábula grotesca com "O Conto dos Contos", o cineasta italiano Matteo Garrone voltou ao terreno em que fica mais à vontade em "Dogman": o da criminalidade que impera nas periferias de Nápoles.

Só que, aqui, saem de cena os mafiosos de "Gomorra" e entram gângsteres de outro tipo. Menos preocupado com a bandidagem organizada, o diretor volta sua lente para o que pode levar um homem descambar para o mundo do crime.

O homem em questão é Marcello (Marcello Fonte), sujeito franzino e de voz esganiçada que ganha a vida dando banho em cachorros. Os cães são o único respiro de ternura num bairro que de resto é barra-pesada.

Por ali também ronda Simò (Edoardo Pesce), troglodita que tem arroubos de violência na mesma proporção com que anseia por mais porções de cocaína. Os pequenos comerciantes locais vivem em pé de guerra com o brutamontes, mas o protagonista não está disposto a ajudar a conter o arruaceiro —até porque o limpador de cães tira bons trocados vendendo droga a ele.

À certa altura, contudo, os abusos de Simò se avolumam de tal maneira que a lealdade canina de Marcello é posta à prova. A partir daí, Garrone começa a tecer uma trama sobre vingança que pode também ser lida como metáfora da ascensão do fascismo, isto é, da imposição do medo e da exaltação da força bruta.

"A violência pode te contaminar de um momento ao outro", disse o diretor em conversa com a imprensa. Ele afirma que não pretendia fazer uma obra com mensagem política, "mas uma reflexão metafísica". "Só que o contexto atual é justamente esse."

"Dogman" não é o único filme em Cannes que versa a respeito de uma explosão de violência que pode brotar aos poucos. Vai na mesma linha o longa "Burning", do diretor coreano Lee Chang-dong.

Baseado em conto do japonês Haruki Murakami, o filme se desenrola sob a perspectiva de Lee Jong-soo (Yoo Ah-in), jovem do interior que se muda para Seul e reencontra Haemi (Jeon Jong-seo), uma garota que insiste ter sido sua vizinha na infância.

O aspirante a escritor se interessa por Haemi imediatamente, mas quando ela some inexplicavelmente, ele passa a suspeitar do recém-chegado Ben (Steven Yeun), playboy com apetite por incendiar estufas.

Fora da competição, o diretor Kevin Macdonald apresentou "Whitney", documentário sobre a cantora americana Whitney Houston. O filme defende a tese de que o vício em entorpecentes que a matou em 2012 era consequência de uma vida atormentada por um passado de abuso sexual. Afirma ainda que quem a teria molestado na infância é a também cantora Dee Dee Warwick, prima 20 anos mais velha que morreu em 2008.

As revelações vêm ao final de uma obra que recupera a trajetória de uma das cantoras de maior sucesso entre os anos 1980 e 1990.

"A filha do gueto", como ela mesmo se descrevia, saiu do coro da igreja na violenta cidade de Newark e se tornou uma pop star encarada com ressalvas por parte da comunidade negra, que via nela uma cantora desconectada das raízes soul.

Era um "tornado", descreve quem trabalhou com ela —produtores, donos de gravadora, colegas. Até Kevin Costner é entrevistado para falar do sucesso de "O Guarda-Costas" (1992) e de como o filme a fez virar uma "cantora de sucesso planetário".

Macdonald também entrevista a família: o marido-problema Bobby Brown, músico ressentido do sucesso da mulher; a mãe disciplinadora; os dois irmãos cúmplices do vício.

O jornalista se hospeda a convite do Festival de Cannes

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