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Qual o significado de ver? A pergunta tem tal tamanho que qualquer tentativa de abordá-la num filme pode parecer pretensiosa e limitada. A proposta de Naomi Kawase em "Esplendor" é tatear a questão evitando o sobrepeso teórico.
Por isso, o longa da diretora japonesa tem duas faces que se completam de modo insatisfatório. Enquanto proposição filosófica, "Esplendor" oferece momentos de imenso prazer intelectual, intensificado pela capacidade de Kawase usar a câmera para nos assombrar com o mundo.
Mas, ao tentar ajustar a reflexão a um molde ficcional, "Esplendor" revela sua limitação, apelando para um sentimentalismo que a diretora incorporou recentemente a seu trabalho, tornando-o mais fácil para o público em busca de sensibilidade.
As duas faces se revelam no atrito entre os personagens Misako e Nakamori. Ela é uma jovem dubladora que trabalha com áudio descrição, adaptando as imagens de filmes para atender às necessidades especiais de quem tem deficiência visual. Ele é um fotógrafo que perde gradualmente a vista por causa de uma doença degenerativa.
As primeiras falas de Misako descrevem acontecimentos quaisquer. Em seguida, a vemos apresentando para um grupo de deficientes a áudio descrição de um filme.
A dupla situação coloca questões que se aplicam a "Esplendor" como a todo o cinema: o que vemos num filme? Como traduzir por meio de palavras a experiência emocional das imagens?
A reação seca de Nakamori dispara o problema maior: é possível dar uma visão geral ou no máximo um ponto de vista? Como transmitir uma emoção sentida individualmente ao público, que reage cada um a seu modo?
Em vez de responder, Kawase convida-nos a considerar as proposições por meio de sua estética que aproxima o visual e o tátil. O olhar de Misako descobre que não se pode ver tudo, enquanto a visão de Nakamori se turva, perde a definição, necessita de aparelhos que ampliem objetos e textos.
O hiperclose torna-se assim o procedimento que mais dá sentido às indagações de "Esplendor", capturando com acuidade a superfície das faces ao mesmo tempo que desfoca o todo, perde de vista o conjunto.
Essa ideia de aproximar a técnica do cinema das nossas condições primárias de percepção confirma Kawase como uma artista sugestiva, que propõe experiências, mais que oferece respostas.
No entanto, a necessidade, revelada em seus filmes recentes, de saturar as indagações com emoções prontas —música delicada, belas composições— podem levar o cinema de Kawase a seguir o mesmo caminho no qual Win Wenders ("Asas do Desejo"), outro cineasta que também quis pensar as imagens, se perdeu.
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