Estudo questiona peso do milho no shoyu e suscita debate acirrado

Chefs, especialistas e consumidores discutem efeito do cereal no sabor e na autenticidade

Shoyus durante degustação às cegas no restaurante Aizomê   - Adriano Vizoni/Folhapress
Flávia G Pinho Marília Miragaia
São Paulo

Um rebuliço logo se instalou quando, no fim do mês passado, uma análise de pesquisadores da USP apontou que “a maioria de produtores de shoyu no Brasil substitui uma parte da soja pelo milho na fabricação”, segundo Luiz Antônio Martinelli, engenheiro agrônomo da USP.

O estudo, divulgado pela revista da Fapesp, fundação de amparo à pesquisa, afirma que das 70 amostras analisadas, somente dez tiveram mais de 50% de soja como ingrediente. A informação levantou —entre chefs, especialistas e consumidores— questões sobre a autenticidade, o sabor e a regulamentação do produto feito no Brasil.

Dentro da cozinha japonesa, o shoyu, molho fermentado de soja, tem importância vital. Faz parte dos cinco temperos básicos ao lado do missô, vinagre de arroz, sal e açúcar. “Não se consegue pensar no receituário japonês sem ele, é um dos temperos mais utilizados”, diz Telma Shiraishi, chef do restaurante Aizomê.

Importante, dessa forma, para uma comunidade que soma 1,9 milhão de nipo-brasileiros, mais 53.400 japoneses que vivem no país. E também para brasileiros que “nunca comeram comida japonesa, mas têm em casa um vidrinho de shoyu para colocar na salada”, lembra Telma.

No Brasil, incluir milho na produção não tem nada de ilegal. Segundo a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), molhos são regulamentados por uma resolução de 2005, em que não há definição específica para shoyu ou molho de soja. Também não existe restrição a outros grãos, “desde que estejam declarados na lista de ingredientes na sua respectiva ordem [decrescente de proporção]”. O que não pode, ainda segundo o órgão, é fazer shoyu ou molho de soja inteiramente com milho.

Quando o produto chegou por aqui, a receita do molho de soja foi adaptada aos ingredientes locais, explica o antropólogo Koichi Mori, professor da USP e autor da tese “A história da imigração japonesa vista através de sua culinária”.

“As versões mais comuns eram o shoyu de tamari, fabricado com o soro do missô que ficava no fundo do barril e caramelo, e o shoyu de feijão, ou okinawa”, conta.

A Sakura, que segundo a Nielsen tem 54% do mercado nacional, afirma que da dificuldade em se obter o trigo (adicionado à soja na fabricação) surgiu a ideia de empregar o milho, cujo papel é ajudar na fermentação. Desde 1940, a empresa afirma seguir a receita que tem como proporção 60% de soja e 40% de milho.

No Japão, os ingredientes utilizados são soja e cereais como trigo e arroz, que passam por um processo de fermentação, segundo o setor cultural do Consulado-Geral do Japão em São Paulo. Lá, existem diferentes classificações de shoyu, que mudam de acordo com a receita utilizada, a forma de fabricação e a maneira de ser empregado, explica Telma Shiraishi. A oferta inclui até uma versão que leva mais trigo (ou fonte de glúten), conhecida como shoyu branco.

A Kikkoman, empresa japonesa com tradição de mais de 300 anos na fabricação de shoyu, usa 50% de soja e 50% de trigo na sua linha tradicional. O último grão, afirma a marca, é responsável pelo aroma e sabor doce do shoyu. Mas, além da matéria-prima, a forma de produção e a fermentação também influenciam no sabor. “O trabalho das leveduras é o processo que deixa o produto com seu sabor e aroma característico”, diz Roberto Shibakura, da Kikkoman no Brasil. Na empresa, as leveduras trabalham por cerca de seis meses.

Além do Japão, o molho é usado na China e em outros países asiáticos como a Coreia. “Existem diferentes variedades e cada um tem sua finalidade”, afirma Paulo Shin, que emprega suas referências familiares coreanas no restaurante Komah, na Barra Funda, em São Paulo. Tanto quanto a lista de ingredientes, Shin acredita que interferem no resultado fatores como escala de produção, tempo de fermentação, água utilizada e o tipo de bactéria.

Mas, claro, em se tratando de uma fórmula nacionalizada, é bom lembrar que as diferenças existem. “O produto brasileiro não é pior ou melhor. É diferente. No fim, sempre rola uma adaptação”, diz.

Em degustação às cegas, duas marcas se sobressaem entre sete

A pedido da Folha, a chef Telma Shiraishi, do Aizomê, organizou uma degustação às cegas. As amostras escolhidas foram de shoyus nacionais e importados, com e sem a presença de milho.

Ao longo de duas horas, muitos atributos renderam comentários dos degustadores, como excesso de sal ou de açúcar. Em momento algum, porém, o milho foi mencionado.

Para o químico Sergio Kenji Mizoguchi, um dos degustadores, a presença do milho, em si, não responde pelo desequilíbrio das fórmulas. “O problema pode ocorrer por falha na torra do cereal, seja milho ou trigo, e também por causa da adição de corante caramelo e de açúcares. São os maiores erros.”

Também participaram os chefs Cássio Ikegami, do Jojo Ramen, e Flávio Miyamura, do Extásia; a pesquisadora Marisa Ono, especialista em culinária oriental; o sommelier de saquê Alexandre Tatsuya Iida, fundador da Adega do Sakê; a especialista em saquê Yasmin Yonashiro; e o jornalista Marcos Nogueira, autor do blog Cozinha Bruta, publicado pela Folha.

Eles provaram sete marcas de shoyu, pesquisadas em cinco empórios especializados em produtos japoneses e dez supermercados da cidade: as nacionais Azuma, Sakura, Hinomoto, Hatenkoo Maruiti e Dia, e as japonesas Yamasa e Kikkoman.

Foram escolhidos produtos similares —deixando de fora, por exemplo, aqueles da linha premium, em geral mais densos. As amostras foram degustadas puras e na companhia de kappamakis (sushis de pepino) e cubinhos de atum cru.

No cômputo geral, os favoritos foram o nacional Azuma e o importado Kikkoman (ambos sem milho). Ambos foram considerados mais equilibrados. 

O shoyu Sakura foi apontado como o mais salgado —apesar de conter menos sódio (818 mg por 15 g) do que o importado Yamasa (942 mg por 15 g). Já o Hatenkoo Maruiti sobressaiu pelo excesso de doçura —de acordo com o rótulo, contém xarope de glicose, açúcar e adoçante (sacarina).

 

6 por 7

Seis profissionais provaram sete marcas de shoyu

daqui e de lá

Para degustação às cegas, foram testados produtos nacionais e importados, com e sem milho

doce e salgado

Excesso de sal ou de açúcar renderam comentários, mas a presença do cereal não foi mencionada pelos degustadores 

desequilíbrio

Para o químico Sergio Kenji Mizoguchi, um dos participantes, a utilização do milho, em si, não responde pelo desequilíbrio das fórmulas


Como comer sushi

Aprenda a usar o shoyu em três passos

Ilustração niguiri
Luciano Veronezi/Folhapress

Sem piscina
Coloque uma pequena quantidade de shoyu no recipiente, para não roubar o sabor do sushi. Nunca acrescente wasabi diretamente ao molho, pois cada peixe necessita de uma dose específica. Reponha o shoyu aos poucos

Ilustração niguiri
Luciano Veronezi/Folhapress

Só o peixe
Com o hashi ou com a mão, faça uma ligeira manobra tocando o shoyu apenas com a parte do peixe do sushi. No caso de rolls, tempere com moderação

Ilustração niguiri
Luciano Veronezi/Folhapress


Bocado
Coloque todo sushi na boca de uma vez, começando pela extremidade molhada no shoyu. No caso do niguiri sushi, a fatia de peixe deve estar de ponta cabeça na hora de comer

Fonte: Telma Shiraishi, Aizomê
 

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