Descrição de chapéu

Crítica engenhosa mira sistema que teve ampla defesa de militantes e intelectuais

Ministro da Cultura russo considerou 'A Morte de Stálin' uma 'zombaria insultante'

Marcos Augusto Gonçalves

Soa como um bônus anedótico extra-obra a reação de círculos russos ao filme "A Morte de Stálin" —considerado pelo ministro da Cultura do país, Vladimir Medinsky, uma "zombaria insultante de todo o passado soviético".

Haveria, na opinião da autoridade, "uma linha moral entre a análise crítica de nossa história e o violento desrespeito a ela".

Afora o fato de que Josef Stálin (1878-1953), em meio a suas atrocidades, incentivou a prática insultante de eliminar personagens de narrativas e fotografias históricas, como no conhecido caso do assassinato físico e simbólico de Leon Trótski (1879-1940), não é demais lembrar que o diretor escocês Armando Iannucci não pretendeu levar à tela exatamente uma análise crítica do passado soviético, tampouco desconsiderar o papel da União Soviética na guerra contra o nazismo —como também sugeriu o ministro.

 

Fez, na realidade, uma corrosiva comédia dramática, com lances de humor negro, sobre como o regime do medo apodera-se do psiquismo humano e desencadeia um tipo patético e feroz de luta pela sobrevivência —que tem seu palco selvagem no propício habitat dos desdobramentos da revolução bolchevique.

Sátiras a tiranos e tiranias não são novidade. Cinema e seriados de TV já pintaram e bordaram com variados representantes de poderes despóticos —de Maria Antonieta (1755-1793) a Adolf Hitler (1889-1945).

Talvez o filme de Iannucci tenha provocado mal estar mais agudo por não poupar um sistema que encontrou ampla defesa entre intelectuais e militantes políticos do ocidente ao longo de décadas. E por fazê-lo com engenhosidade dramática.

O filme, baseado numa história em quadrinhos de Fabien Nury e Thierry Robin (lançada no Brasil em 2015 pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha), oscila entre momentos de humor de massas, que lembram sátiras televisivas do tipo Guerra, Sombra e Água Fresca (a divertida "Hogan's Heroes", da década de 1960) e situações de dramaturgia tragicômica fina, apoiada no talento de atores experimentados em palcos exigentes.

Tratando-se de americanos e britânicos, a opção pelos diálogos em inglês, sem o velho recurso do sotaque estrangeiro, só melhora as coisas.

Retira de cena um elemento que poderia ser genericamente depreciativo, além de empobrecedor, e amplia o alcance e a versatilidade da representação, dando-lhe, de certa forma, caráter mais universal.

Sim, há passagens caricaturais e esvaziamento da profundidade psicológica de personagens no longa de Iannucci, em parte pelo tipo de encenação, em parte pelo protagonismo do medo.

Mas há também situações admiráveis de síntese de comédia e drama —em especial na construção do chefe da polícia repressiva sob Stálin, Lavrenti Beria (1899-1953), figura obscura, que surge de maneira notável na performance de Simon Russell Beale.


A Morte de Stálin

The Death of Stalin. França/Reino Unido/Bélgica/Canadá, 2017. Dir. Armando Iannucci. Elenco: Steve Buscemi, Simon Russell Beale, Jeffrey Tambor, Olga Kurylenko, Jason Isaacs, Adrian McLoughlin. Em cartaz no Brasil.

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