Descrição de chapéu
Artes Cênicas

Satyros deixam público à beira da catarse, apesar de atuações frágeis

Peça 'Cabaret Transperipatético' aborda universo de pessoas trans

Elenco de ‘Cabaret Transperipatético’  Lenise Pinheiro/Folhapress - Lenise Pinheiro/Folhapress
Amilton de Azevedo

Cabaret Transperipatético

  • Quando Sex., às 21h, sáb. e dom., às 19h30 às 21h. Até 25/8.
  • Onde Estação Satyros, pça. Franklin Roosevelt, 134
  • Preço Ingr.: R$ 20. 18 anos.

Logo na primeira cena, "Cabaret Transperipatético" apresenta a crítica disparadora de seu discurso de forma cristalina. O novo trabalho dos Satyros começa no formato de um programa de auditório.

Ali, não só a capitalização sobre as narrativas de corpos dissidentes é escancarada mas também a própria limitação do imaginário no que diz respeito à população trans.

Buscando ressaltar singularidades que existem dentro da multiplicidade que é a identificação como "pessoa trans", o elenco composto inteiramente por pessoas não cisgêneras —ou seja, que não se identificam com o gênero que lhes foi designado ao nascer— leva ao palco suas histórias.

O nome do espetáculo, aliás, pode indicar tanto escolhas formais quanto de conteúdo. Ainda que não se configure estrita e efetivamente como um cabaré, a diversidade de linguagens inerente a essa forma teatral parece dar espaço a variadas maneiras de levar narrativas pessoais para a cena.

E, ainda que não haja nenhuma citação à ideia de filosofar caminhando, algum jogo com a filosofia da escola peripatética está presente. O empirismo na afirmação de que é apenas a partir da vivência daqueles corpos que suas histórias podem ser contadas é um indício.

Ainda nesse sentido, o trecho do "Manifesto Contrassexual", de Paul B. Preciado, trazido para a cena, busca embasar filosoficamente a discussão levantada pelo espetáculo.

Do início ao fim, é a binariedade compulsória de gênero que se coloca em xeque.

No entanto é curioso observar certas escolhas da encenação. Após a primeira cena, que anuncia por oposição o que virá na sequência, todo o elenco passa a utilizar um figurino que remete a um baile de debutante —da forma mais binária possível: homens de terno, mulheres de vestidos de gala.

A metáfora de debutar como um nascimento para a vida adulta encontra o paralelo na descoberta e na afirmação de cada um quanto a sua transgeneridade. As narrativas da maioria dos quadros enveredam, cada uma à sua maneira, para essa seara.

Na dramaturgia assinada pelo elenco —e supervisionada por Luh Maza, Ivam Cabral e Rodolfo Garcia Vázquez— a temática da identificação é central. As trajetórias pessoais são relatadas de maneiras distintas. Narrações diretas ao público, relações dramáticas, composições simbólicas e partituras corporais.

São poucos os elementos cenográficos, que se ressignificam. A questão da disforia corporal justifica a escolha —quase clichê— da presença de um espelho. Já as cadeiras, constantemente reorganizadas, derrubadas, ocupadas e vazias, fazem pensar acerca do lugar que tais pessoas ocupam no mundo.

O público reage de forma quase catártica a cada quadro —mesmo quando há certa fragilidade nas interpretações. Por vezes, o elenco parece cambalear entre a performatividade e a representação.

Cabe, portanto, refletir acerca da importância e dos modos de teatralizar o material biográfico para que, por meio da elaboração poética, este se redimensione.

De qualquer modo, a pertinência da temática hoje e o impacto de ouvir os relatos de quem vivencia tais questões faz com que esse manifesto à liberdade tenha grande potência.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.