Tati Bernardi trocou uma loucura por outra. Acostumada a uma vida mental tão acelerada e produtiva quanto tumultuada e angustiante, a escritora e roteirista --que lança a coletânea de crônicas publicadas na Folha "Homem-Objeto e Outras Coisas Sobre Ser Mulher"-- diz ter recebido um chamado do corpo.
A gravidez tão sonhada chegou no meio de diversos projetos, embolando-se com a escrita de um livro e de três roteiros de longas-metragens.
"Foi uma bomba. Tinha mil coisas pra fazer, mas só vomitava, chorava, comia e queria ficar deitada. Tudo era corpo, nada era cabeça. Fiquei maluca porque, como achava que eu existia só dentro da minha cabeça, tudo o que acontecia ao meu corpo era assustador. Dei uma pirada boa. Foi forte e assustador. E maravilhoso."
Acostumada a expor as esquisitices em troca do riso alheio e do sustento, já assinou o roteiro de cinco filmes e publicou sete livros. Mas o narcisismo e as neuroses que usou para traduzir um tempo de relações virtuais e culto à personalidade perderam espaço, e ela se viu obrigada a abandonar o Rivotril e o foco em si.
"Desde que minha filha nasceu, não tive mais crises de pânico. Se sinto mal-estar ou medo, conto até três e espero passar porque tenho de cuidar dela. Tive de deixar de ser o centro do meu drama. Meu ego, agora, sai no leite", brinca.
A mente trabalhada em anos de divã, que a levaram hoje a estudar psicanálise, ainda tateia as transformações da maternidade, aos 39 anos, para o bem e para o mal.
Sua perspectiva feminina a respeito do sexo, por exemplo, está fora desta temporada.
"A metáfora do sexo na minha vida hoje é de alguém colocando o dedo dentro do meu olho enquanto tento assistir à série da minha vida. Por isso estou procurando uma amante para o meu marido. Escreve aí que podem mandar currículos para mim", diverte-se.
Já mendigar aprovação e amor alheios, ao que tudo indica, saiu do script. "Já tem uma galera legal que me ama. Até a minha mãe, acho", ironiza.
Sua intensa relação com a mãe, também modificada pelo nascimento da filha, é a matéria-prima do romance ao qual Tati se dedica há um ano. "Fui estudar o basicão do Freud, e descobri que invejava o pênis da minha mãe. Todo o meu Édipo foi com ela."
As 83 crônicas de "Homem-Objeto" são só um prelúdio das mudanças que sofreu com a maternidade. Estão ali textos que especulavam sobre a futura vida de mãe a partir do desejo de ter filho e das esquisitices de ver a barriga crescer.
Boa parte traz provocações a lugares-comuns que povoam a vida da mulher de classe média hoje, da cama à academia, da relação com os homens às pressões do feminismo.
Ainda que a Tati que escreveu os textos de "Homem-Objeto" não seja a mesma que autografará exemplares do livro na terça (26), a dedicatória feita para esta repórter não deixa dúvidas de que elas guardam a mesma essência: "Adorei a entrevista (espero continuar adorando quando sair)".
Homem-Objeto e Outras Coisas Sobre Ser Mulher
Tati Bernardi. Ed. Companhia das Letras. R$ 39,90 (256 págs.). Lançamento em São Paulo: 26/6, às 19h, na Livraria da Vila (alameda Lorena, 1.731, Jardim Paulista)
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.