É raro ver negros em balés, diz carioca Ingrid Silva

Bailarina integra companhia em Nova York e investe em uma plataforma voltada ao empoderamento

Danielle Brant
Nova York

O começo da história é parecido com o de tantas outras. Garota deixa para trás a pobreza, se muda para o exterior para dançar em companhia famosa sem saber falar uma palavra do idioma local, vence dificuldades e vira símbolo de superação.

Mas, no meio do caminho, a menina descobre que pode servir como fonte de inspiração não só pela dança, mas também por um projeto em que ajuda pessoas desconhecidas a se conectarem e a se empoderarem, para usar uma expressão da moda.

A menina da história acima é a carioca Ingrid Silva, 29. Há uma década, ela integra o Dance Theatre of Harlem, primeira companhia de balé clássico formada por negros.

A própria Ingrid divide sua vida em dois atos: antes e depois de se mudar para Nova York, onde fica o balé.

A primeira fase se passa em Benfica, zona norte do Rio de Janeiro. Aos oito anos, ela foi selecionada para o projeto Dançando para Não Dançar, na Vila Olímpica da Mangueira. 

“Desde cedo minha mãe colocou eu e meu irmão [Bruno, dois anos mais novo] em todos os esportes possíveis, porque a gente tinha muita energia. Durante todo tempo em que eu estava no Brasil, eu e Bruno dançamos juntos”, conta a bailarina.

Com 12 anos, os irmãos ganharam uma bolsa para estudar na escola de dança Maria Olenewa, do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. A diversidade racial do projeto social na Mangueira cedeu lugar à realidade de que ambos eram os únicos alunos negros em toda a sala de balé clássico.

“Quando as pessoas me perguntam sobre preconceito no mundo da dança, verbalmente, eu nunca tive nenhum. Mas é muito raro você ouvir a história de uma bailarina negra em uma companhia de dança, em especial no balé clássico”, diz. 

Desde que começou a dançar, duas décadas atrás, pouca coisa evoluiu, avalia. 

“Tem muitas meninas agora, mas estão em companhias jovens. Não tem uma no Theatro Municipal do Rio ou no balé de São Paulo”, diz. “É meio que triste, porque em um país em que você tem pessoas supertalentosas, quando a oportunidade está ali na sua frente, talvez você não dê.”

No caso de Ingrid, a oportunidade surgiu em 2007, aos 18 anos. “Magrela e franzina”, como ela mesma se define, chamou a atenção de Betânia Gomes, primeira bailarina do Dance Theatre of Harlem. 

Betânia decidiu gravar um vídeo com Ingrid e enviar para a escola nova-iorquina. A carioca foi aceita e, em janeiro de 2008, largou a faculdade de dança no Rio de Janeiro para se mudar para Nova York.

Olhando em retrospectivo, a bailarina diz hoje que não tinha ideia de como a dança influenciaria sua vida. A Ingrid que chegou a uma das cidades mais cosmopolitas do mundo era “muito nova” e “não estava tão preparada psicologicamente”, conta. 

Assim começa o segundo ato da vida de Ingrid: com a bailarina tendo que se virar sozinha em uma cidade desconhecida e sem falar uma palavra do idioma local.

“Eu não conseguia conversar com as pessoas em inglês, não conseguia interagir”, relata. Para sua sorte, no projeto social na Mangueira ela teve aula de espanhol com uma professora cubana, o que ajudou nos primeiros dias.

O idioma foi sendo absorvido aos poucos, conforme Ingrid desenvolvia outras atividades para complementar a renda, especialmente nos primeiros anos na Big Apple. Ela passeava com cachorros, trabalhava como babá e em restaurantes.

“Hoje em dia, dou entrevista, faço comercial, tudo em inglês. Meu professor de balé falava assim para mim: ‘quando ela veio para cá, não conseguia falar nada. Hoje em dia, ela não cala a boca’”, ri.

Na companhia, Ingrid adotou um hábito de outros bailarinos negros, de pintar as sapatilhas com seu tom de pele. A ideia surgiu de Arthur Mitchell, que fundou, em 1969, o Dance Theatre of Harlem. 

A proposta era formar um corpo de bailarinos clássicos negros em um país cuja principal referência de luta pelos direitos civis da população negra, Martin Luther King Jr., havia acabado ser assassinada.

Voltando às sapatilhas, Mitchell e seus bailarinos passaram a pintar as suas no tom da pele para diminuir o contraste, conta Ingrid. 

“Quando você está no palco e olha o bailarino de longe, se ele está com sapatilha rosa, o contraste da luz faz parecer que metade do corpo dele é de outra cor. A ideia dele foi unificar o look da pessoa por meio da roupa que ela usava”, conta.

Cada bailarino, então, passou a pintar sua meia-calça com o tom de sua pele, assim como sua sapatilha de ponta. Quase 50 anos depois, Ingrid ainda tem que pintar seus calçados. “Meia-calça, algumas marcas têm, mas a que eu usava foi descontinuada. Eu vou ter que ver o que vou fazer, porque estou sem meia-calça.”

Além da dança, Nova York também abriu novos caminhos para a carioca. “Aqui é um lugar que ou você sabe sua meta, ou a cidade te engole. É muita coisa acontecendo, é muita oportunidade. E você consegue se perder.”

Um desses caminhos foi o EmpowerHer New York, projeto que busca fortalecer outras mulheres. Na plataforma, todos os dias uma usuária assume o perfil da empresa no Instagram, e conta sua história. 

Em vez de fama, Ingrid quer inspirar outras pessoas por meio da plataforma. “Temos uma missão muito maior, que é passar experiência para o próximo, para que ele possa realizar seus sonhos”, diz. 

Na quarta (11), o projeto realiza uma nova rodada de discussões no Brooklyn. Se em janeiro tudo saiu do bolso de Ingrid, que contou com a colaboração de voluntários, agora a carioca e a sócia Helya Mohammadian reuniram dez patrocinadores para o evento.

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