Descrição de chapéu
Artes Cênicas

Em encenação densa, 'Necropolítica' debate morte e alteridade

Peça pondera o que há de humano entre corpo físico, presença e algoritmos de computador

amilton de azevedo

Necropolítica

  • Quando Qui. a sáb., às 21h, dom., às 20h. Até 5/8
  • Onde Centro Cultural São Paulo, r. Vergueiro, 1.000
  • Preço Ingr.: R$ 20
  • Classificação 14 anos

Em um futuro não situado, a biotecnologia avançou o suficiente para driblar a morte. No Brasil, um talk-show discute a condição dessas pessoas —o termo 'morto' passa a ser politicamente incorreto. 
Outras situações exploram as relações do indivíduo e da sociedade com a nova categoria cidadã: os necropolíticos.

É assim que são chamados aqueles que, após falecer, foram 'perenizados' pela tecnologia disponível. Esse é o panorama que se apresenta em "Necropolítica", dramaturgia de Marcos Barbosa encenada pela Mundana Companhia, com direção de Aury Porto, um dos fundadores do grupo.

O texto de Barbosa, estruturado em sete cenas, ancora-se fundamentalmente na forma dramática. O conteúdo investido ali, no entanto, faz com que a obra amplie sua discussão para além das relações interpessoais. Parece ser uma defesa, do autor, da potência do drama moderno.

Única exceção à relação dialógica entre personagens —ainda que na encenação de Porto hajam pontuais comentários feitos à plateia— é o momento do talk-show.

Mesmo ali, nas escolhas do espetáculo, o envolvimento com o público é indireto. Aplausos e reações vêm em off. Pela complexidade da temática —e a densidade com a qual ela é tratada— a relação da obra com o espectador parece se manter em suspenso na maioria das cenas.

Há um estranhamento tanto estético quanto acerca do discurso de "Necropolítica". A direção de arte de Vera Hamburger opta por uma construção futurista noir. A cenografia de Flora Belotti é minimalista, sugerindo as tecnologias apresentadas de modo simbólico. Assim, a encenação ganha ares de ficção científica.

No entanto, se as discussões sobre bioética permeiam o espetáculo —assim como, a cada dia, passam a se tornar mais presentes em nossa sociedade—, é evidente que não é esse o tema central.

Quadros como o talk-show já citado e a situação que ocorre em um cinema podem ser lidos como metáforas relativamente diretas a debates sobre o respeito à diversidade.

Se por um lado é possível perceber tais discursos como uma possível redução ao absurdo de tais debates, por outro o dado insólito abre um campo de estranhamento que desestabiliza a compreensão.

A prolongada transição entre as cenas pode ser uma tentativa de dar ao público um espaço para a reflexão acerca do que se passou. Porém, o espetáculo perde em ritmo —o que se acentua, especialmente, no quadro em que mãe e filha conversam sobre a morte.

As relações da sociedade com o tema dão o tom dos primeiros quadros. Seja em um programa de televisão, em espaços públicos ou ambientes privados. 

Barbosa reserva a maior possibilidade de identificação do espectador com a problemática ao último quadro. É nele que, quase como síntese da obra, o afeto dessa nova alteridade se apresenta de forma mais contundente.

A peça pondera o que há de humano entre corpo físico, presença e algoritmos de computador. Em "Necropolítica", para além da discussão acerca de nossa relação com a mortalidade, reflete-se sobre o que significa estar vivo.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.