Novela 'O Tempo Não Para' explora vestígios da escravidão no país

Trama estreia na terça (31) e retrata família congelada que acorda em SP após 130 anos

Gustavo Fioratti
Rio de Janeiro

Dois temas são centrais na novela "O Tempo Não Para", fábula cômica com estreia marcada para esta terça (31) na Globo sobre personagens que hibernam por mais de 130 anos e acordam na São Paulo de 2018. Do contraste de épocas, saltam questões sobre paradigmas éticos e o avanço tecnológico.

O grupo, congelado em um iceberg após um acidente náutico, inclui uma família de aristocratas (Edson Celulari, Rosi Campos, Juliana Paiva, Raphaela Alvitos e Nathalia Rodrigues) e negros escravizados por eles (Aline Dias, Cris Vianna, Olivia Araújo, David Junior e Maicon Rodrigues).

O congelamento acontece dois anos antes da abolição da escravatura, em 1888. Os negros vão acordar livres —só não vão escapar do papel de coadjuvantes na emissora. E os brancos acordarão sem suas propriedades. Todos terão experiências particulares com a vida moderna.

A novela é escrita por Mario Teixeira e tem direção artística de Leonardo Nogueira.

Durante a festa de lançamento da produção no Museu do Amanhã, em 16 de julho, no Rio de Janeiro, Celulari descreveu seu personagem como um "humanista".

"Ele tinha seus escravos, obviamente, pois estava vivendo um período de transição; ele não é um abolicionista, mas sempre respeitou muito... Ele jamais permitiu que se batesse nos escravos", contou o ator.

A contradição do personagem (seria possível ser humanista sem apoiar a abolição, mesmo à época?) ganhou outra tentativa de explicação: segundo Campos, que faz a matriarca, personagem "menos abolicionista que o marido", a família "não era a favor de bater em escravos, mas os mantinha [escravizados] porque eles tinham uma fazenda imensa".

Entre as escravizadas, está Cesária (Olívia Araújo), ama de leite ultrarreligiosa, além de escrava de ganho —ou seja, que trabalha para terceiros para juntar dinheiro e comprar a alforria, conta a atriz.

Discute-se, na novela, segundo Araújo, o que a abolição da escravatura, "sem direitos e sem condições mínimas aos ex-escravos", representou. "Até que ponto essa condição da liberdade é real? E o que essa falta de planejamento acarretou em 2018?".

Premiada em dois festivais por seu papel no filme "Domésticas" (2001), de Fernando Meirelles, Araújo é uma paulistana atenta: sonha em chamar os dramaturgos Marcelino Freire, Newton Moreno e Vinicius Calderoni para levantar o projeto de um monólogo com três textos.

Ela diz que o personagem de Milton Gonçalves, um catador de lixo do século 21, sintetiza o paradoxo da abolição. "Hoje, quando andamos nos grandes centros, vemos muitas cenas que são oriundas da escravidão, de uma abolição mal resolvida, mal colocada, mal planejada", diz.

É na casa do personagem de Gonçalves que os descongelados encontrarão abrigo.

Produções recentes da Globo têm sido alvo de manifestações de negros. A última delas atingiu "Segundo Sol", novela das nove: ativistas reclamaram de uma trama que, embora se passe em Salvador, começou com poucos negros.

"Precisamos parar de discutir e trabalhar para que isso seja positivo. Precisamos ter um presidente, governadores, prefeitos, deputados negros. Se somos 54% da população, a gente precisa dar mais passos adiante", afirmou Gonçalves.

No caso de "Segundo Sol", a Globo aceitou as críticas e informou que repensaria o elenco da novela. Em "O Tempo Não Para", além de Gonçalves e dos cinco escravos congelados, há pelo menos outros três atores negros: Juliana Alves, Max Lima e Lucy Ramos.

Também está no elenco Christiane Torloni, que interpreta Carmen, a zelosa mãe de Samuca (Nicolas Prattes), o surfista que encontra o iceberg no Guarujá.

E uma última personagem, a própria cidade de São Paulo: há gravações na praça da Sé, nas avenidas Paulista e Faria Lima e na Freguesia do Ó.

O Tempo Não Para

Seg. a sáb., às 19h, na Globo

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