Descrição de chapéu Flip

Programação paralela aumenta e alavanca crescimento da Flip

Se de um lado o número de autores convidados diminuiu, de outro, a quantidade de casas parceiras triplicou

Maurício Meireles
Paraty

Era improvável em ano de penúria financeira —com um orçamento de R$ 5,3 milhões, o menor em 12 anos—, mas a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) parece enfim dar sinais de renovação de seu modelo.

É paradoxal, mas a festa literária conseguiu encolher e crescer ao mesmo tempo.

O número de autores convidados caiu de 46 para 33 do ano passado para cá; o número de mesas, de 22 para 18.

Já a programação paralela explodiu de tamanho: neste ano houve 22 casas parceiras, contra sete no ano passado. E com uma programação interessante, que chega mesmo a competir com a oficial.

Os selos independentes fizeram bem em incluir a Flip no seu roteiro de feiras —muitas delas tiram parte importante de seu sustento de eventos do tipo, como a Feira Plana e outras, mas não costumavam comparecer a Paraty.

Com a crise econômica e o atraso de pagamentos a editoras por redes de livrarias como a Cultura e a Saraiva, feiras literárias ganham ainda mais importância como meio de vendas e divulgação. O público respondeu à altura, lotando esses espaços. 

Essa mudança traz um problema consigo: a quantidade de eventos paralelos era inversamente proporcional ao tamanho de seus canais de divulgação. Era difícil saber tudo o que estava acontecendo. E quando. E onde. Não havia uma página online ou informativo que centralizasse essa programação.

“Ano que vem queremos ter um aplicativo em que as casas parceiras possam fazer atualizações até o último momento”, diz Mauro Munhoz, diretor da Casa Azul, organização social que promove a festa.

Ainda que menor, a programação principal fluiu bem e trouxe surpresas, com momentos que lembraram antigas Flips e autores em geral entrosados.

O escritor franco-congolês Alain Mabanckou, por exemplo, era desconhecido no Brasil e publicado pela pequena editora Malê —mas cativou o público em uma mesa bem-humorada, conduzida pelo escritor José Luiz Passos e o advogado Silvio Almeida.

Das revelações, ficam também o brasileiro Gustavo Pacheco, de “Alguns Humanos” (Tinta da China), a moçambicana Isabela Figueiredo, autora de “Caderno de Memórias Coloniais” (Todavia), e a russa Liudmila Petruchévskaia, de “Era Uma Vez Uma Mulher que Tentou Matar o Bebê da Vizinha” (Companhia das Letras), entre outros.

Foi uma surpresa também o debate entre a italiana de pais somalis Igiaba Scego e o poeta suíço Fabio Pusterla —durante a conversa, a intérprete que fazia a tradução simultânea se emocionou e precisou parar para se recompor.

É bom destacar ainda a mesa que reuniu Gustavo Pacheco e o veterano Sérgio Sant’Anna. Bem humorado, Sant’Anna parecia conduzir uma conversa na sala de sua casa.

A organização do evento só divulgará o público nos próximos dias, mas a percepção era de ruas mais cheias do que nos últimos dois anos.

Se nas edições recentes a Flip chegou a se transformar numa festa sem festa, desta vez a vida na rua estava de volta. Ajudou o bar que a editora Todavia montou perto do cais, para onde uma pequena multidão se encaminhava ao fim de todas as tardes. A Casa Hilda Hilst, no coração da Praça da Matriz, também ofereceu uma festa e bar abertos a quem quisesse chegar.

Claro, também houve problemas. A tenda onde se desenrolava a programação principal concorre para ser uma das piores já montadas pela Flip —mesmo comparada aos debates na Igreja da Matriz, ano passado.

Quente e apertada, tinha sérios problemas de som —na sessão de abertura, foi difícil ouvir das últimas fileiras Fernanda Montenegro ler trechos de Hilda Hilst, por exemplo. O espaço era sempre invadido por sons da rua, além do barulho de um gerador próximo.

A compositora Jocy de Oliveira chegou a reclamar, em seu debate com o sonoplasta Vasco Pimentel, do retorno de áudio no ponto.

Diferentemente do ano passado, a abertura não foi bem-sucedida como introdução ao universo de Hilda Hilst —os trechos políticos lidos por Montenegro, por exemplo, pareciam servir mais para causar comoção do que como amostra representativa da obra da homenageada.

O americano Colson Whitehead, um dos melhores autores desta edição, pareceu não embarcar nas interpretações oferecidas pelo mediador de sua mesa, o que impediu a conversa de fluir. Não à toa, o carioca Geovani Martins acabou tendo mais espaço do que ele.

Nessa mesa, o clima pesou quando um espectador anônimo perguntou ao autor de “O Sol na Cabeça” se o sucesso que alcançou neste ano não era devido apenas ao fato de ele vir de uma família pobre e morar numa favela. Martins foi pego desprevenido e disse que quem deveria responder eram os leitores.

Mulheres e negros estavam presentes entre os convidados na mesma proporção que no ano passado. Mas, desta vez, a Flip não batia o bumbo para alardear isso como fez na edição anterior —o que implicava uma crítica implícita a curadores do passado.

“Na coletiva [de anúncio da programação], frisamos que [o número de negros ou mulheres] não deve ser mais a primeira notícia. Foi no ano passado porque era uma novidade. Agora estabilizou, vai ser assim para sempre”, diz a curadora Joselia Aguiar.

O resultado é uma festa mais relaxada —em que negros e mulheres falavam sim sobre ser negros e mulheres, mas também colocaram suas obras à frente de suas identidades. Assim, os debates identitários soaram mais originais e menos pautados pela retórica das redes sociais.

A curadora, questionada em entrevista a jornalistas na manhã deste domingo (29), disse achar que não há diferenças nessa área entre o ano passado e este —e que a ideia de que minorias vieram à Flip para falar sobre serem minorias foi uma distorção causada pela imprensa em 2017.

“Talvez a cobertura [da imprensa] faça parecer que em 2017 nós só falamos disso. Mas desde o começo eu dizia que alguns autores negros não iam falar sobre a questão racial. Como neste ano a homenageada era a Hilda Hilst e fizemos, por exemplo, mesas sobre o amor e a morte, acho que as pessoas viraram a chave”, afirma.

 

FLIPOU

— A revelação para um público mais amplo dos escritores Gustavo Pacheco e Isabela Figueiredo

— As mesas de Alain Mabanckou, Sérgio Sant’Anna e a de Igiaba Scego e Fabio Pusterla

— O crescimento da programação paralela, que passou a competir com a principal pelo interesse do público

— Os bares da Casa Hilda Hilst e da editora Todavia com o espaço Balsa, que estimularam a vida na rua durante a Flip —além de não terem cercado VIP

— O barco da Flipei (Festa Literária Pirata das Editoras Independentes)

— O ciclo de mesas sobre Philip Roth, morto neste ano, promovido pela revista Quatro Cinco Um

— Iara Jamra lendo trechos de “O Caderno Rosa de Lori Lamby”, além da aula de Eliane Robert Moraes sobre Hilda Hilst

— Mesas improvisadas que deram certo: na Casa Época/Vogue, Laura Carvalho e Marcos Nobre debateram enquanto Fernando Haddad se atrasou para a mesa com Guilherme Boulos; Marina Person e Zeca Camargo substituindo Colson Whitehead, que não apareceu na programação da Quatro Cinco Um; e Vera Iaconelli, que substituiu Tati Bernardi na Casa Folha

FLOPOU

—A nova tenda concorre a uma das piores da Flip: além de ser quente e ter um sistema de som ruim, ainda era invadida pelos barulhos da rua, o que incluía transeuntes conversando alto e o som de um gerador próximo que atrapalhava o público

—Não havia uma página ou informativo para reunir a programação paralela, o que deixava o público perdido entre tantas opções

—As performances na aberturas das mesas em geral não interessaram ao público

—O espectador não identificado que insinuou que Geovani Martins só faz sucesso por ser de origem pobre e morar na favela

—A sessão de abertura não foi bem-sucedida como introdução ao universo de Hilda

—O show de BNegão nobarco Flipei, interrompido pela chuva

 

Os dez livros mais vendidos da Flip 2018

1. ‘Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão’ - Hilda Hilst (Companhia das Letras): 463

2. ‘O Que É Lugar de Fala?’ - Djamila Ribeiro (Letramento): 407

3. ‘O Sol na Cabeça’ - Geovani Martins (Companhia das Letras): 358

4. ‘Canção de Ninar’ - Leïla Slimani (Tusquets): 318

5. ‘Quem Tem Medo do Feminismo Negro?’ - Djamila Ribeiro (Companhia das Letras): 316

6. ‘Poesia que Transforma’- Bráulio Bessa (Sextante):299

7. ‘De Amor Tenho Vivido: 50 Poemas’ - Hilda Hilst (Companhia das Letras): 298

8. ‘Era uma Vez uma Mulher que Tentou Matar o Bebê da Vizinha' - Liudmila Petruchévskaia (Companhia das Letras): 241

9. 'Memórias de Porco-Espinho' - Alain Mabanckou (Malê): 235

10. 'Caderno de Memórias Coloniais' - Isabela Figueiredo (Todavia): 222

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