Descrição de chapéu

Zeca Pagodinho é resultado das rodas suburbanas somadas ao borogodó

Cantor de primeira linha, é ótimo compositor e tem faro apurado para descobrir sucessos

Luiz Fernando Vianna

Da geração brilhante que surgiu na quadra do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, nas décadas de 1970 e 1980, Zeca Pagodinho se tornou o maior expoente. E isso aconteceu quase à revelia dele mesmo, numa combinação de sorte e talento fartos.

Zeca ia de ônibus para os pagodes do Cacique, na zona norte do Rio, com seu cavaquinho numa sacola de supermercado, daquelas de papel. Não queria ser melhor do que ninguém nem ser famoso.

Não era um instrumentista do calibre de Almir Guineto. Não tinha a voz e o profissionalismo de Jorge Aragão. Não era de uma família de sambistas, como Guineto e Arlindo Cruz. Não tinha o vocabulário sofisticado de Luiz Carlos da Vila. E não possuía a vivência e a sabedoria de Bira Presidente, Ubirany e Sereno, criadores do Fundo de Quintal.

Mas tinha a capacidade de observar e absorver tudo em volta. E a inteligência dos melhores improvisadores de partido-alto, criando versos em cima da hora até quando diante de feras como Baiano, Deni de Lima e, numa única vez, o mestre Aniceto do Império.

Sempre teve aquela qualidade difícil de traduzir, mas fácil de constatar: o carisma. Zeca é resultado das rodas suburbanas (Cacique, Pagode do Arlindo, Pagode do Osmar, Pagode da Beira do Rio etc.) somadas ao borogodó que é só dele.

A “elite branca” (expressão eternizada pelo ex-governador paulista Cláudio Lembo) e os meios de comunicação muitas vezes enxergam o samba e os sambistas como coisas folclóricas, curiosas. O lugar do Zeca seria o do “bebum” divertido.

Mas ele sempre foi bem mais do que isso. É cantor de primeira linha, com uma forma de dividir os versos que o põe no mesmo time de craques como Cyro Monteiro, Miltinho e João Nogueira.

É ótimo compositor, que só não produz mais por causa da preguiça e porque, quando as vacas ficaram gordas, preferiu dividir a carne com outros autores.

E tem um faro apurado para descobrir sucessos, apostando em músicas desacreditas ou enfiando “Deixa a Vida me Levar” num CD cujo repertório já estava fechado.

Zeca fez sucesso em 1986, ficou rico, ficou mal de novo (“Gastei a porra toda”, já recordou), quase morreu na roda-viva da boemia, teve uma segunda chance em 1995 e renasceu. Não é para qualquer um. Sorte e muito talento.

Luiz Fernando Vianna
Autor do livro ‘Zeca Pagodinho – A Vida que se Deixa Levar’
 

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