Musical revê trajetória de Zeca Pagodinho entre a fábula e a retrospectiva

'Zeca Pagodinho - Uma História de Amor ao Samba' estreia temporada em São Paulo neste sábado (14)

Rafael Gregorio
São Paulo

Quando pela primeira vez leu o texto de “Uma História de Amor ao Samba”, Zeca Pagodinho fez uma única exigência: queria que o musical sobre sua vida incluísse um personagem importante.

“Ele se amarrou no roteiro, mas pediu pra inserir o Baixinho, um ‘bebum’ que virou babá dos filhos dele e caseiro do sítio em Xerém. Quando bebia, o cara ficava xingando: ‘Pagodinho, puxa-saco cheio de pulga, canta porra nenhuma!’. Zeca acha isso hilário”, conta Gustavo Gasparani, 51, que interpreta o sambista na peça que escreveu e dirige. 

Jessé Gomes da Silva Filho, 59, o Zeca, é um homem simples de Xerém, bairro de Duque de Caxias, subúrbio do Rio, que se manteve simples —e em Xerém— após ficar famoso, nos anos 1980.

A intersecção entre símbolo nacional e homem do povo e o misto lamurioso de estrelato e anonimato conduzem texto e encenação do musical, que estreia neste sábado (14), no teatro Procópio Ferreira.

A peça se divide em dois atos. No primeiro, vê-se a formação do protagonista, desde o nascimento até os 27 anos.

Nessa fase, Zeca é interpretado por Peter Brandão, 24.

No segundo, vem o artista em contato com a fama após os primeiros sucessos, como “Camarão que Dorme a Onda Leva”; é quando Gasparani assume o papel do cantor.

“Quase fomos por um lado mais convencional, mas escolhemos uma fábula”, afirma.

Ator, diretor e dramaturgo, ele foi um dos fundadores da Cia. dos Atores, em 1989, grupo em cartaz em São Paulo com a peça “Insetos”, e acumula prêmios como o Shell Rio de melhor ator, em 2012.

Para Gasparani, o projeto começou há cinco anos, quando escreveu um argumento para uma peça sobre Zeca.

Depois, ficou sabendo —pelos jornais— que os direitos da biografia do artista já haviam sido comprados.

Frustrado, deixou de lado o trabalho. Mas, como diz, “coisa de destino”: meses depois, acabou sendo convidado pela produtora Victoria Dannemann para roteirizar a peça.

Sua inspiração foi uma frase que diz ter lido na biografia “Deixa o Samba me Levar”, de Jane Barboza e Leonardo Bruno, sobre o sambista ser uma espécie de Macunaíma do subúrbio carioca —a citação é ao anti-herói do livro de Mário de Andrade (1893-1945), clássico nacional de 1928.

“Peguei uma estrutura que perpassa o herói nascendo, pegando um trem e passando de estação em estação até chegar ao sucesso, aos 27 anos.”

A ideia, diz, é permitir ao público “ver a formação do caráter” e realçar “a coisa autêntica e sem frescura do Zeca”.

“É uma peça sobre o cara que podia viver na Barra, mas prefere projetar seu bairro para o mundo. O sujeito que, se o frio aperta, desce pra pagar marmitas para as prostitutas.”

Esse mote conduziu também a escolha do elenco, diz Gasparani, segundo quem 90% dos atores são “gente que pega trem”; o diretor diz ter evitado olhares estrangeiros.

Desde os testes de elenco, quando concluiu que faria ele mesmo o protagonista, houve desafios para criar o personagem, a despeito da familiaridade com o samba —é passista da Mangueira há 30 anos.

Um deles foi reproduzir o estilo de cantar; “O grande lance do Zeca é a divisão, o jeito malandreado de situar as frases”.

Outro obstáculo, afirma, foi adaptar seu corpo ao do ídolo.

“Fui bailarino, de postura mais apolínea, e Zeca é braço pro lado, barriga pra frente.”

O diretor e ator diz sentir-se mudado pela experiência.

“Tem uma frase da família do Zeca que diz: ‘O que se leva dessa vida é o que se bebe, o que se come e o que se brinca’. Saio uma pessoa mais leve.”

O musical já rodou por capitais como Fortaleza, Recife e Salvador até chegar a SP.

No Rio de Janeiro, foi o primeiro musical que Zeca viu na vida. Gostou tanto que voltou outras duas vezes, tocado por trechos do espetáculo que o emocionaram: “Histórias de família, a morte de meu pai”, diz.

“Foi tocante rever coisas de que nem lembrava. Não que tivesse me esquecido, mas já não pensava...”, diz o cantor.

O artista diz que já pensa em um novo disco, para depois dos shows com Maria Bethânia, com quem canta em São Paulo em dezembro. Não tem escrito músicas, entretanto.

“O sucesso me privou um bocado desse lado de compositor; a gente chega em casa e só quer ficar com os netos.”

Zeca Pagodinho - Uma História de Amor ao Samba

  • Quando Estreia: sáb. (14). Até 5/8. Qui. e sex., às 21h; sáb., às 17h e às 21h; dom., às 17h
  • Onde Teatro Procópio Ferreira - r. Augusta, 2.823, tel. 3083-4475
  • Preço R$ 40 a R$ 80, p/ site ingressorapido.com.br
  • Classificação 12 anos

Destaques do musical e onde ouvi-los

‘S.P.C.’
Composta por Zeca Pagodinho em parceria com Arlindo Cruz, é a primeira faixa do primeiro disco de estúdio do cantor, o indispensável ‘Zeca Pagodinho’ (1986), que o projetou como grande nome do samba

‘Vai Vadiar’
Escrita por Monarco, da velha-guarda da Portela, integra o disco ‘Zeca Pagodinho’, de 1998, dedicado a Heitor dos Prazeres (1898-1966), e tem os versos: ‘Eu quis te dar um grande amor/ Mas você não se acostumou/ À vida de um lar/ O que você quer é vadiar’

‘Deixa a Vida me Levar’
De autoria de Serginho Meriti e Eri do Cais, foi o maior sucesso de Zeca nos anos 2000, no disco ‘Perfil’ (2004), e hoje e sempre embalará pagodes com os versos ‘Deixa a vida me levar/ Vida leva eu!/ Sou feliz e agradeço/ Por tudo que Deus me deu’

‘Quando a Gira Girou’
O samba de Serginho Meriti e Claudinho Guimarães apareceu no disco ‘Acústico MTV - Zeca Pagodinho 2 - Gafieira’ (2006), que fez de Zeca o primeiro artista na história a fazer dois discos no formato celebrizado pelo canal de música
 

Capa do disco "Zeca Pagodinho" (1986), estreia do artista
Capa do disco "Zeca Pagodinho" (1986), estreia do artista - Reprodução
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