Descrição de chapéu Artes Cênicas

Dramaturgo romeno ironiza utopia de Tchékhov em sequência de 'A Gaivota'

Matéi Visniec reflete se século 20 deu errado em 'Nina ou da Fragilidade das Gaivotas Empalhadas'

MLB
São Paulo

Amante da obra de Anton Tchékhov, o romeno Matéi Visniec trata de homenagear mas também de questionar seu admirado autor.

A utopia tão presente no dramaturgo russo naquele início do século 20 é posta à prova em "Nina ou da Fragilidade das Gaivotas Empalhadas".

Trata-se de uma sequência de "A Gaivota", uma das peças mais célebres de Tchékhov, comédia sobre vidas frustradas com tom esperançoso para tempos futuros.

Visniec transporta a ação para 15 anos mais tarde, com o apaixonado trio Nina, Treplev e Trigorin em 1917, em plena revolução bolchevique. Um momento que Tchékhov, morto 13 anos antes, não presenciou. Tampouco previu aquela turbulenta guerra civil.

"Visniec é danado. Ele consegue, de uma maneira sensível e inteligente, colocar o espectador numa reflexão: será que o século 20 deu errado?", comenta Denise Weinberg, diretora da montagem brasileira de "Nina", que estreia nesta terça-feira (21) em São Paulo.

O espetáculo ainda marca o lançamento da edição brasileira da peça, pela É Realizações (R$ 34,90, 96 págs.), com tradução de Clara Carvalho.

O romeno, 62, é ele próprio filho de um sistema partido. Cresceu sob a ditadura do socialista Nicolae Ceausescu, regime que liberava seus poemas, mas censurava sua dramaturgia —foi então, em 1987, que se mudou de vez para a França e logo deixou o romeno para adotar a língua de Molière em sua escrita.

Não à toa, Visniec não consegue compartilhar do olhar utópico de Tchékhov. Tanto que coloca em uma das conversas de seu "Nina":

"As revoluções não levam a lugar nenhum. A única revolução que a humanidade poderia fazer era conseguir que as pessoas se tornassem mais humanas. Não se pode construir o bem com o mal".

Na sua releitura, Treplev, que tirou a própria vida em "A Gaivota", ainda vive —fracassou na sua tentativa de suicídio. Mora sozinho na casa que pertencia à mãe e logo é tomado de surpresa pelo retorno de Nina, que continua a fugir de Trigorin, como no original tchekhoviano. O trio relido por Visniec surge perplexo, impotente diante das desilusões sociais e pessoais.

Weinberg já havia dirigido há três anos, com Clara Carvalho, outra obra do romeno sobre o dramaturgo russo: "Máquina Tchékhov" personificava o autor, em cena para aconselhar suas personagens.

Se na primeira peça a diretora criou uma encenação mais realista, em "Nina" ela busca um tom onírico e de suspense. "Os atores fazem interpretações realistas, à la Tchékhov, mas a encenação é dadaísta, extremamente sensorial."

O clima obscuro é corroborado pelo espaço, o porão do Centro Cultural São Paulo, e pela trilha sonora de Gregory Slivar —que também está em cena, ao lado dos atores Edu Guimarães, Dinah Feldman e Francisco Brêtas.

Silvar cria uma massa sonora, guiando o suspense com sons percussivos. "É quase mergulhar numa fantasia", afirma Weinberg.

Visniec entra ele próprio numa quimera. Já no prólogo do espetáculo, escreve uma carta ao estimado colega Tchékhov: "Ainda bem que você não está presente mais, porque você iria ficar tão decepcionado com a humanidade".

Nina ou da Fragilidade das Gaivotas Empalhadas

  • Quando Estreia em 21/8, às 19h30 (excepcionalmente). Temporada de ter. a qui., às 21h, até 27/9
  • Onde Centro Cultural São Paulo - porão (espaço Ademar Guerra), r. Vergueiro, 1.000
  • Preço R$ 20
  • Classificação 14 anos
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