Descrição de chapéu

Filme biográfico mostra coragem ao retratar Nico perto da morte

Mesmo resvalando no didatismo e com produção precária, obra se destaca ao revelar a força das músicas

André Barcinski

Nico 1988

  • Quando Estreia na quinta (30)
  • Elenco Trine Dyrholm, John Gordon Sinclair, Anamaria Marinca
  • Produção Itália, Bélgica, 2017
  • Direção Susanna Nicchiarelli.

Filmes biográficos são desafios para roteiristas, porque precisam conciliar registro documental e uma narrativa que não apele ao didatismo.

É difícil contar a vida de alguém sem alienar os espectadores pouco familiarizados com o retratado e sem entediar quem já conhece a história. "Nico, 1988", escrito e dirigido pela italiana Susanna Nicchiarelli, subverte alguns clichês dos filmes biográficos e consegue equilibrar bem essa equação.

Em primeiro lugar, o filme não se concentra na fase mais conhecida da cantora —seu breve trabalho com o grupo Velvet Underground, no fim dos anos 1960— mas nos dois últimos anos de vida de Nico.

Foi um período duro. Viciada em heroína, Nico havia perdido sua beleza e fama.

O filme mostra a cantora excursionando pela Europa com uma banda ruim, dormindo em espeluncas e tocando em pequenos clubes para plateias minguadas de 30 pessoas.

Nico, interpretada pela ótima atriz dinamarquesa Trine Dyrholm, se irrita com perguntas sobre o Velvet e com o desprezo do público por seus discos solo (entre 1968 e 1985, Nico lançou cinco LPs, incluindo dois antológicos, "The Marble Index", em 1968, e "Desertshore", em 1970).

O filme também não apela às manjadas cenas em flashback para mostrar o passado da biografada. O que Nicchiarelli usa, e com bom gosto, são pequenas montagens com cenas reais de Nico nos anos 1960 e 1970, geralmente mostradas durante as viagens de heroína da cantora.

O roteiro tem um grave defeito, mas é compreensível e se explica pela necessidade de esclarecer algumas passagens da vida da artista.

Em dois ou três momentos, Nicchiarelli encena entrevistas em que repórteres questionam Nico sobre momentos de sua vida. Vemos uma jornalista perguntando sobre a tentativa de suicídio de Ari, único filho de Nico. A cantora conta que o abandonou quando ele tinha só quatro anos.

"Eu era louca demais para criar um bebê, e o pai não o reconheceu como filho." O pai, no caso, era o ator francês Alain Delon, que até agora não assumiu a paternidade de Ari, hoje um conhecido fotógrafo na França.

O artifício das entrevistas ajuda a contar a história da cantora, mas torna o filme, em certos momentos, um tanto didático. Essa opção narrativa também pode ser explicada pelo baixo orçamento da obra, evidente pela precariedade da produção e cenografia de algumas sequências (é muito mais fácil e barato ter um personagem contando a história do que encená-las).

Mas as qualidades de "Nico, 1988" superam de longe esses problemas. Centrar a história nos anos finais da cantora foi decisão tão corajosa quanto acertada, porque trouxe o foco para a música de Nico. E as canções são sublimes, hinos da desesperança que influenciaram artistas como Patti Smith, Siouxsie Sioux, Morrissey, e tantos outros.

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