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Livro recupera valores republicanos deixados de escanteio em 1889

Em 'Ser Republicano no Brasil Colônia', historiadora revê ideias de movimentos populares

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Arnaud Julien Pallière, Vista de Vila Rica, 1820, óleo sobre tela, 36,5 × 96,8 cm. Museu da Inconfidência (Ibram).
Detalhe de ‘Vila Rica’ (1820), obra de Arnaud Julien Pallière que retrata o principal cenário da Inconfidência Mineira - Divulgação/Museu da Inconfidência
Buenos Aires

Há um contraste entre as ideias republicanas no Brasil disseminadas e alimentadas na época da Colônia e nas conjurações de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia e aquelas que de fato levaram à instalação da República, por meio de um golpe militar, em 1889.

Foi em busca da origem e do traçado das primeiras que a historiadora Heloisa Starling, professora titular da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) iniciou sua pesquisa, que resulta agora em "Ser Republicano no Brasil Colônia".

Em entrevista à Folha, Starling fez questão de enfatizar que as primeiras ideias republicanas, baseadas em conceitos de igualdade, liberdade, cidadania, respeito e cuidado com relação à "coisa pública" constituem uma tradição riquíssima que se perdeu, pois tinha pouco que ver com as que embasaram e levaram à República instalada em 1889, esta com uma "essência oligárquica e excludente".

A historiadora disse ter se interessado pelo tema porque se trata de "uma pergunta de hoje, afinal, a República está na moda, todo mundo diz que é republicano, só que virou uma ideia oca, porque se perdeu a trajetória de seu significado em nossa história.

Quando se fala em república atualmente, trata-se de um sistema de governo, quando na verdade é um conceito que inclui outros elementos de preocupação com as coisas que são públicas."

Starling conta que o empurrão para iniciar este trabalho ocorreu em 2008, em Ouro Preto, quando o historiador Evaldo Cabral de Mello a instigou a resgatar essa tradição esquecida de republicanismo, soterrada primeiro pelo Império, quando sufocou as conjurações promovidas com esse ideário, e depois pela República com origem militar, nascida em 1889.

"Evaldo me abriu os olhos para a linguagem própria daquelas ideias republicanas originais, como circularam e o que restou delas no processo de formação da cidadania no Brasil", conta.

E acrescenta: "Creio que essa tradição pode ser importante num momento de crise como o que vivemos hoje, em que conceitos de cidadania, direitos e liberdades voltam a ser debatidos. A ideia era resgatar como elas foram pensadas originalmente, a linguagem utilizada e com que sociedade se sonhava naquela época".

Para Starling, a República de 1889 é diferente das ideias de república que se gestaram antes porque a que se concretizou "manteve boa parte do modelo antigo e esvaziou o conteúdo revolucionário da tradição republicana anterior, que estava no ideário dos primeiros colonos que debateram o tema."

Entre os valores de então a serem resgatados, Starling destaca o conceito de que "o poder deveria ser compartilhado, de que construí-lo era um desafio coletivo. Isso talvez pudesse ensinar muito ao Brasil de hoje".

Os episódios em que se concentra são a Revolução Pernambucana (1817), a pouco estudada Conjuração Carioca (1794), a Conjuração Mineira (1789) e a Conjuração Baiana (1798), a experiência de Palmares, que têm em comum uma recusa do autoritarismo de um poder centralizador como o da metrópole e propunha uma ideia de autonomias locais, poder nas mãos de comunidades políticas soberanas, noções de autogestão regional.

Ela destaca a intensa comunicação entre esses grupos, "havia amplo intercâmbio de informações, de jornais, de leituras trazidas de fora".

Mais que retraçar as origens e o modo como se desenvolveram essas ideias, Starling chama a atenção para a necessidade de buscar "o momento de ruptura, onde perdemos esse significado inicial da república e o porquê".

E acrescenta. "Como é possível que tenhamos nos esquecido, já no fim do século 18, desse vocabulário que era tão mais inclusivo e que poderia ser útil para repensar o país nesse momento?".

Ser Republicano no Brasil Colônia

Heloisa Starling. Ed. Companhia das Letras. R$ 69,90 (376 págs.)

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