Novos filmes de Alfonso Cuarón e Yorgos Lanthimos são ovacionados em Veneza

'Roma', do mexicano, e 'The Favourite', do grego, são fortes concorrentes ao Leão de Ouro

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Veneza

Ainda em seu segundo dia de competição, o Festival de Veneza já exibiu dois fortes concorrentes ao Leão de Ouro, prêmio máximo da mostra.

Na manhã desta quinta, foram recebidos com intensos aplausos a tragicomédia de época “The Favourite”, produção britânica dirigida pelo grego Yorgos Lanthimos, e “Roma”, drama personalista do mexicano Alfonso Cuarón.

O filme de Lanthimos é sobre jogos de poder, ambientado em uma semifantasiosa Inglaterra do século 18.

Cena do filme "Roma", de Alfonso Cuarón, que está na programação do Festival de Veneza e do Festival de Toronto
Cena do filme "Roma", de Alfonso Cuarón, que está na programação do Festival de Veneza e do Festival de Toronto - Divulgação

A rainha Anne (Olivia Colman, extraordinária) é uma mulher indecisa, irritadiça e um bocado manhosa, incapaz de tomar uma só atitude sem antes recorrer aos conselhos da nobre Sarah (Rachel Weisz). Esta, por sua vez, é uma raposa, que utiliza os mais sofisticados ardis para fazer com que a monarca aja exatamente do modo que ela deseja – inclusive, jogando o país em uma guerra sem sentido contra a França. 

Mas sua notável influência sobre o trono é ameaçada quando uma ex-nobre e hoje pobretona, Abigail (Emma Stone), surge no palácio para trabalhar como serviçal. Aos poucos, ela vai ganhando a confiança da rainha, tomando lentamente a posição influente que antes parecia fadado a ser sempre de Sarah.

O filme é uma comédia de humor por vezes pesado, vulgar, mas em geral incontrolavelmente divertido. É sobre malandragem, esperteza: sobre o quanto uma pessoa precisa usar criatividade e ter clareza de raciocínio para conseguir aquilo que (acha que) merece, em um mundo que despreza a ética. Alguns diálogos, sobretudo entre as desbocadas Weisz e Stone, são deliciosos: velozes, inteligentes, mordazes.

Em seus melhores momentos, o filme é uma mistura de “Ligações Perigosas” com “Barry Lyndon” (com alguns toques das melhores tramas de Gilberto Braga). Mas é irregular, e nos instantes menos felizes, parece os trabalhos anteriores de Lanthimos no que eles têm de pior: uma propensão ao sensacionalismo gratuito e ao rebuscamento sem essência. É, porém, seu melhor filme até o momento, e um prêmio triplo de melhor atriz para Colman, Weisz e Stone não seria impossível.

O júri do festival, este ano comandado pelo mexicano Guillermo Del Toro, porém, talvez esteja mais propenso a premiar com o Leão o filme do conterrâneo do cineasta, Alfonso Cuarón. “Roma” tem quase duas horas e meia que se vale da memória afetiva do cineasta para tecer um comentário sobre as diferenças sociais do México, com foco na questão do gênero e da etnia. 

A trama se passa na casa de uma família burguesa da capital mexicana, em 1970, mostrando a rotina de Cleo, uma empregada de origem indígena que ajuda a cuidar das crianças como se fossem seus filhos.

Sua vida é dura: ela precisa se desdobrar para dar conta dos afazeres e de administrar a própria vida – envolveu-se com um sujeito que a abandona após engravidá-la. Mas os patrões, apesar de deixarem sempre Cleo em seu “devido lugar” de doméstica, são bondosos para ela. É o famoso caso de “como se fosse da família”.

Ao seu modo, o filme dialoga com o brasileiro “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert, na análise da contradição entre o pertencimento afetivo de uma doméstica a uma família e seu concomitante não pertencimento sanguíneo e cultural.

A ideia de Cuarón é claramente fazer um retrato afetivo dessa mulher "estranha" que é tão importante em um meio familiar, mas cuja vida é tão repleta de limitações por questões sociais. Prova disso é que o longa é dedicado à ama que cuidou do cineasta em sua infância.

Mas o longa, que começa como uma defesa da mulher, indígena e pobre, se encaminha cada vez mais para um tom por demais conciliatório, como se Cleo devesse mais era se dar por satisfeita de ter acolhimento por patrões tão caridosos.

Filmado em um imponente (e irretocável) preto e branco, o filme tem uma aura de solenidade, de grandeza “artística”, que nem sempre se justifica enquanto escolha estética. Mas é compreensível enquanto ferramenta para encantar jurados em festivais: desde já, o longa já surge como nome forte não só em Veneza como também na temporada de prêmios (o Oscar de língua estrangeira é um deles, caso seja o indicado mexicano).
 

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