Kit Harington, o Jon Snow, vive ator no armário em filme de Xavier Dolan

Ator vive celebridade hollywoodiana encontrada morta no início da trama, vítima de uma overdose

Guilherme Genestreti
São Paulo

Quando era criança, o cineasta Xavier Dolan escreveu uma carta a Leonardo DiCaprio, seu ídolo, após ter se encantado com “Titanic”. No fim dos anos 1990, o diretor de hoje 29 anos também passava tardes grudado na televisão assistindo “Buffy” e outros seriados da TV a cabo.
 
Os enlatados eram o escape para o jovem canadense que mais de uma vez disse ter sido vítima de bullying na escola. Aos 15, ele se assumiu gay e construiu uma filmografia repleta de detalhes autobiográficos na qual as cicatrizes do achincalhamento infantil nunca sararam.
 
Não é diferente em seu sétimo filme, “The Death and Life of John F. Donovan”, que fez sua estreia mundial nesta segunda (10), no Festival de Toronto. As obsessões da infância, aliás, são mote da trama.
 
Kit Harington (o Jon Snow de “Game of Thrones”) vive o personagem-título, celebridade hollywoodiana encontrada morta no início da trama, vítima de uma overdose.
 
Quem reconta a trajetória do ator, 11 anos depois de sua morte, é Rupert, escritor que na infância se correspondeu com Donovan quando idolatrava os filmes e séries de TV protagonizados por ele. Jacob Tremblay, de “O Quarto de Jack”, vive o fã-mirim, que leva a mãe (Natalie Portman) às raias da loucura com sua fixação, uma forma de escapar ao inferno escolar.
 
Já Donovan enfrenta os próprios fantasmas. No auge da carreira, ele se vê interessado por outros homens, mas não encontra meios de viver seu desejo sem que isso afete o estrelato.
 
Dolan despeja na obra alguns dos mesmos elementos que estão presentes em praticamente toda a sua filmografia, como a relação mãe-filho, a homossexualidade, o bullying. E como não poderia deixar de ser com um diretor de estilo tão marcado (e muitas vezes avacalhado), o filme se esbalda nos seus tiques: as cores que parecem filtradas pelo Instagram, os closes na cara dos intérpretes, os gritos, o apego descomunal ao figurino.

O resultado aqui prejudica a história, contada de forma atropelada. Pode ter pesado o fato de a produção de “The Death and Life of John F. Donovan” ter sido um tanto atrapalhada.
 
Foi na sala de montagem que Dolan cortou todas as cenas com Jessica Chastain, um dos nomes mais chamativos do elenco, o que gerou furor nas redes e mais boataria sobre o que se anunciava como um fiasco. A justificativa para limar a participação foi narrativa, segundo disse o diretor. Escalado para ir a Cannes, em maio, só ficou pronto quatro meses depois de mais de dois anos de produção.
 
Dolan ainda dá as caras em Toronto como ator coadjuvante em “Boy Erased”, do australiano Joel Edgerton, que conta a história de Jared (Lucas Hedges), filho de um pastor batista que é encaminhado a um centro religioso de “conversão gay” após revelar aos pais que é homossexual.
 
Russell Crowe e Nicole Kidman vivem os pais do adolescente, dois caipirões dos rincões fundamentalistas no sul dos Estados Unidos.
 
Orientado por um suposto terapeuta, vivido pelo próprio Edgerton, Jared aprende sobre posturas tidas como másculas, vê a Bíblia ser usada como porrete e é ensinado a “fingir até conseguir” –o “fake it ‘til you make it” que ecoa cruzada neopentecostal apregoada pelo vice-presidente americano, Mike Pence.
 
A depender de como a crítica em Toronto tem reagido à obra, Hedges pode descolar sua segunda indicação ao Oscar –a primeira foi como coadjuvante que o ator de 21 anos recebeu por “Manchester à Beira-Mar”.

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