Diretor de 'Moonlight' completa tríptico racial com novo filme 'If Beale Street Could Talk'

Filme de Barry Jenkins é destaque em Toronto, enquanto Xavier Dolan volta a fazer longa autobiográfico

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Toronto

Beale Street é o nome da rua do blues na cidade de Memphis, no Tennessee. Em Nova Orleans, foi numa Beale Street que nasceu o pai do escritor James Baldwin, a voz literária do movimento pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos. Na obra do autor, a via ganha status de epítome da identidade afro-americana.

“Há uma Beale Street em cada cidade da América”, disse o cineasta Barry Jenkins, vencedor do Oscar por “Moonlight”, antes de apresentar seu novo longa em Toronto, aplaudidíssimo por uma plateia em grande parte negra.

“If Beale Street Could Talk” (se a rua Beale pudesse falar) é uma adaptação do romance homônimo de Baldwin sobre um casal que enfrenta o racismo na região do Harlem, em Nova York, nos anos 1970.
O novo filme completa, com “Moonlight” (2016) e “Remédio para a Melancolia” (2008), uma espécie de tríptico racial na obra de Jenkins, atento à sub-representação negra na tela. 

A aridez da vida nos guetos de Miami do oscarizado filme anterior ele substitui pelos tons coloridos do início do romance entre a virginal Tish (Kiki Layne) e seu amigo de infância, agora crescido, Fonny (Stephan James).

A edição não cronológica logo entrega que o amor do jovem casal vai enfrentar um péssimo agouro. “Espero que ninguém tenha de olhar para seu amado através de um vidro”, diz a narração de Tish.
É que Fonny foi preso, acusado de estuprar uma mulher, ao que tudo indica por influência de um policial racista.

E é por meio do vidro que separa os encarcerados de seus parentes que ela vai comunicar ao parceiro que está grávida. Pobre, negra, com o pai de seu filho na cadeia, ela precisa provar a inocência de Fonny em cenas que são intercaladas com as do passado, quando ambos ainda caminhavam juntos pelo Harlem.

Apesar de acompanhar uma empreitada nobre, como a de Tish, “If Beale Street Could Talk” não envereda pelo território manjado do filme de redenção. Mais do que isso, é um retrato da permanência das injustiças e de como elas se impõem com uma força muito superior à dignidade das lutas individuais.

Também é amargo o saldo de “The Death and Life of John F. Donovan”, novo filme dirigido pelo prodígio canadense Xavier Dolan, com Kit Harington (o Jon Snow de “Game of Thrones”) no papel principal. A história segue o personagem-título, celebridade hollywoodiana encontrada morta no início da trama, vítima de uma overdose.

Quem reconta a trajetória do ator, 11 anos depois de sua morte, é Rupert, escritor que na infância se correspondeu com Donovan quando idolatrava os filmes e séries de TV protagonizados por ele. 
Jacob Tremblay, de “O Quarto de Jack”, vive o fã-mirim, que leva a mãe (Natalie Portman) às raias da loucura com sua fixação, uma forma de escapar ao inferno escolar.

Já Donovan enfrenta os próprios fantasmas. No auge da carreira, ele se vê interessado por outros homens, mas não encontra meios de viver seu desejo sem que isso afete o estrelato.

A trama é mais uma história com elementos autobiográficos do cineasta, que na infância também costumava escrever cartas para seus ídolos (ele endereçou uma a Leonardo DiCaprio após ficar obcecado por “Titanic”).

Em seu sétimo longa, Dolan despeja alguns dos mesmos elementos que estão presentes em praticamente toda a sua filmografia, como a relação mãe-filho, a homossexualidade, o bullying. E como não poderia deixar de ser com um diretor de estilo tão marcado (e muitas vezes achincalhado), o filme se esbalda nos seus tiques: as cores que parecem filtradas pelo Instagram, os closes na cara dos intérpretes, os gritos, o apego descomunal ao figurino.

O resultado aqui prejudica a história, contada de forma atropelada. Pode ter pesado o fato de a produção de “The Death and Life of John F. Donovan” ter sido um tanto atrapalhada.

Foi na sala de montagem que Dolan cortou todas as cenas com Jessica Chastain, um dos nomes mais chamativos do elenco, o que gerou furor nas redes e mais boataria sobre o que se anunciava como um fiasco. 

A justificativa para limar a participação foi narrativa, segundo o diretor. Escalado para ir a Cannes, em maio, o longa só ficou pronto quatro meses depois —após mais de dois anos de produção.

Xavier Dolan ainda dá as caras em Toronto como ator coadjuvante em “Boy Erased”, filme do australiano Joel Edgerton, que conta a história de Jared (Lucas Hedges), filho de um pastor batista que é encaminhado a um centro religioso de “conversão gay” após revelar aos pais que é homossexual.

Russell Crowe e Nicole Kidman vivem os pais do adolescente, dois caipirões dos rincões fundamentalistas no sul dos Estados Unidos.

Orientado por um suposto terapeuta, vivido pelo próprio Edgerton, Jared aprende sobre posturas tidas como másculas, vê a Bíblia ser usada como porrete e é ensinado a “fingir até conseguir” —o “fake it ‘til you make it” que ecoa a cruzada neopentecostal apregoada pelo vice-presidente americano, Mike Pence.

Se depender de como a crítica em Toronto tem reagido à obra, Hedges pode descolar sua segunda indicação ao Oscar —a primeira foi a de ator coadjuvante por “Manchester à Beira-Mar”.

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