Estrela de 'House of Cards', Robin Wright diz que viu o lado negro da política

Atriz vive a presidente dos EUA no final da série, quase cancelada após demissão de Kevin Spacey

A atriz Robin Wright, estrela da série 'House of Cards', da Netflix

A atriz Robin Wright, estrela da série 'House of Cards', da Netflix Divulgação

Rodrigo Salem
Los Angeles

​​Em um determinado momento da sexta e última temporada de “House of Cards”, que estreia no dia 2 de novembro, a presidente Claire Underwood (Robin Wright) se vira para a câmera, como fazia seu marido nos anos anteriores, e brada: “Eu preciso enterrar Francis”.

A frase pode ser lida no contexto mais simples. A série retorna com o personagem Francis Underwood já morto em sua cama há alguns meses, deixando Claire lidando com o fantasma do seu inescrupuloso e desesperado ex-companheiro. 

Mas é impossível não perceber nas entrelinhas todos os problemas envolvendo o ator e protagonista Kevin Spacey, que foi demitido de “House of Cards” em novembro do ano passado, após as acusações de assédio sexual feitas pelo ator Anthony Rapp


“Foi uma temporada incomum”, admite a este repórter a atriz Robin Wright, que também tem a função de produtora executiva do programa. 

As alegações contra Spacey surgiram quando a série estava no meio das filmagens do terceiro episódio da sexta temporada, que teria 13 capítulos. A Netflix não perdeu tempo. Além de anunciar o desligamento de Spacey, a empresa de streaming ressaltou que não manteria nenhum laço profissional com o astro e que próxima temporada estaria “suspensa”. 

A decisão caiu como uma bomba no set em Baltimore. Durante duas semanas, “House of Cards” foi para um limbo e ninguém sabia se retornaria, deixando desempregadas mais de 600 pessoas que trabalhavam na produção. 

“Nunca passamos por uma situação semelhante, então levamos um bom tempo para processar o choque”, revela Wright. “Precisávamos ter sensibilidade durante aquele período. Qual seria a coisa certa?

Sinceramente, ninguém sabia o que fazer, então essas semanas foram um tempo para tentarmos reagir a um desastre que nunca tivemos de encarar antes.”

O recado da empresa era claro —nem mesmo “House of Cards”, a primeira série totalmente original da Netflix e responsável pelos primeiros Globo de Ouro e Emmy da plataforma de streaming, estava acima do bem e do mal. 

A atriz conta que a decisão de jogar fora o material filmado e retomar a sexta temporada do zero com oito episódios foi “uma decisão coletiva”. 

“Decidimos voltar não só para os fãs, que teriam a conclusão como sempre vislumbramos. Mas também para os trabalhadores, que, de repente, ficariam sem emprego e com contas para pagar, hipotecas e matrículas de universidades. Não seria justo com eles”, afirma Wright. 

A nova temporada é um ponto de reviravolta acelerado para a presidente Claire Underwood. Suas maquinações shakespearianas sempre ao lado do marido morto deram lugar à uma mulher 
combativa, quase heroica. 

“Vejo Claire como uma pessoa eficiente e que fará seu trabalho não importa como. É uma boa pessoa, ficou ao lado do marido por anos e sempre de boca fechada”, diz ela, pausando para refletir. “Bem, foi a coisa certa para ele ascender. Com a ascensão de Francis, também veio a dela. O acordo mútuo entre os dois sempre foi esse, uma subida ao poder peça por peça.” 

Robin Wright confessa que, apesar de todos os obstáculos enfrentados nos últimos meses, o destino da sua personagem foi mantido desde a criação da série, há cinco anos.

“Sempre soubemos que Claire seria a primeira presidente mulher dos Estados Unidos. Mas como ela chegaria à posição era maleável”, afirma a atriz, que, na ausência de Francis, ganha novos inimigos, os irmãos Annette (Diane Lane) e Bill Shepherd (Greg Kinnear), dois representantes de uma oligarquia  americana antiga e poderosa. 

Como presidente, Claire Underwood agora lida com crises econômicas, as memórias do sociopata Doug Stamper (Michael Kelly) e atentados à sua vida. “Nunca fui uma pessoa politizada, mas a série me educou. Durante os cinco anos conversando com consultores de Washington, perguntei se os políticos podem ser tão corruptos ao ponto de se esquecerem do povo. A resposta foi ‘claro que podem’. Então, aprendi o lado negro da política ao trabalhar em ‘House of Cards’.” 

Mas o grande tema é o fato de termos uma mulher sentada na cadeira mais poderosa do mundo. No segundo episódio, Claire encontra um juiz em uma festa e deixa escapar que “o reinado dos homens brancos de meia-idade está no fim”. No mesmo capítulo, ela é confrontada por uma recruta e questiona: “Você falaria isso para mim se eu fosse um homem?”. 

Essa sensibilidade é levada para trás das câmeras. Quase todos os episódios da última temporada são dirigidos por mulheres. “A Netflix queria que fossem apenas diretoras, mas elas estavam todas empregadas, o que é ótimo”, exalta Robin Wright. “Precisamos de mais mulheres na indústria. O telhado de vidro está rachado, agora só precisamos quebrá-lo de vez e deixar os talentos surgirem.”


Ascensão e queda

fev.2013
‘House of Cards’ estreia na Netflix e se torna a primeira série de streaming indicada ao Emmy, que logo venceria, no mesmo ano 

jan.2014
Robin Wright vence o Emmy como Claire Underwood

jan.2015
Kevin Spacey vence o Emmy como Frank Underwood, que então se torna presidente

mai.2017
Na série, personagem de Wright assume o comando da Casa Branca em meio a atentados terroristas

out.2017
Spacey é acusado de assédio sexual; Netflix demite o ator e anuncia suspensão de última temporada da série

dez.2017
Netflix recua e anuncia sexta e última temporada, com Wright como protagonista
 

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