Em meio a crise sucessória, grupo de Pina Bausch encena 'Nefés' em SP

Coreografia foi criada em residência na Turquia; companhia está sem diretor artístico desde julho

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Atração mais esperada da Temporada de Dança do Teatro Alfa, a Tanztheater Wuppertal, companhia dirigida pela alemã Pina Bausch por 36 anos, chega a São Paulo sem saber quem será seu próximo diretor artístico.

Desde a morte da Pina, em 2009, especula-se sobre a manutenção do legado da grã-sacerdotisa da dança-teatro. 

A artista reinventou o conceito coreográfico surgido nos anos 1920, sob influência do impressionismo alemão, e tornou-se umas das maiores referências da dança contemporânea. 

Adolphe Binder, última diretora artística da companhia, foi demitida em julho, um ano após assumir a função. Antes dela, os sucessores de Pina no cargo foram Dominique Mercy e Robert Sturm, até 2013, seguidos por Lutz Förster. Os três são veteranos na Wuppertal, diferentemente de Binder, que não tinha relação direta com a coreógrafa e sua obra.

Cena de ‘Nefés’, do Tanztheater Wuppertal, que será encenada no Teatro Alfa
Cena de ‘Nefés’, do Tanztheater Wuppertal, de Pina Bausch, que será encenada no Teatro Alfa - Meyer Originals/Divulgação

Com o vácuo de poder, é difícil encontrar quem entrevistar sobre a companhia e sua volta ao Brasil com “Nefés”, criado por Pina em 2003 —até a conclusão desta edição, restavam poucos ingressos para a temporada paulistana. A última vez que o grupo alemão esteve por aqui foi em 2011.

Na crise atual, o conselho consultivo da Wuppertal avisa que não falará sobre o imbróglio sucessório. A companhia se restringiu a soltar uma nota oficial sem explicações sobre o afastamento de Binder, “necessário para restaurar a capacidade desta instituição cultural única de operar em plena capacidade”, segundo o comunicado.

É a fase mais difícil da companhia desde 2009, afirma Ruth Amarante, bailarina da Wuppertal há 27 anos.

“Com a morte de Pina, entramos em um luto pesado, mas a gente acreditava ter muito para mostrar e queria salvar tudo que fosse possível. Agora, não sabemos o que vai acontecer, a companhia está passando por um pequeno terremoto.”

Além da mudança de direção, o elenco da companhia está se transformando rapidamente. No palco, há cada vez menos veteranos e mais jovens, muitos dos quais não conheceram Pina em vida.

Uma das marcas do grupo é misturar no elenco uma grande quantidade tanto de iniciantes quanto de bailarinos bem mais velhos, algo pouco comum em espetáculos de grandes companhias.

“Trabalhar com Pina era ter plena confiança no seu trabalho. Ela praticamente sussurrava as correções para cada bailarino individualmente, dava para sentir um interesse total dela em cada um, e isso dava muito tesão para criar e dançar”, conta Ruth. Aos 55, a bailarina, além de dançar, é ensaiadora da companhia. 

Vontade de escutar e conhecer pessoas, linguagens, danças e culturas é central na obra de Pina Bausch. Ficou famoso seu processo de criação baseado em bombardeios de perguntas. Com palavras, gestos ou movimentos, os bailarinos tinham que responder a questões como “O que te deixa envergonhado?” ou “Como você se comporta quando perde algo?”.

Desse material emocional transformado em carne, osso, músculo e vozes, Pina extraía as criações que falam, por meio da dança, da subjetividade contemporânea. É disso que se trata, mesmo quando o tema aparente é um lugar específico, como em “Nefés”.

Apresentado pela primeira vez no Brasil, o espetáculo faz parte de uma série de obras criadas a partir de residências em diferentes capitais do mundo, da própria São Paulo a Tóquio ou de Los Angeles a Istambul.

Na apresentação no Teatro Alfa, estarão as referências à capital turca e às pulsões humanas (há sempre uma história de amor entre Pina e a psicanálise), ao ar (“Nefés” é a palavra para respiração, em turco) e à água, esta literalmente, inundando o palco e encharcando os bailarinos.

É uma obra com vários solos e duetos, mais dança que teatro. “Desde os anos 1990 a Pina começou a colocar a dança de uma maneira mais forte no palco”, diz Ruth.

Irresistível não pensar na famosa frase atribuída à coreógrafa, “Dance, dance, senão estamos perdidos”. Em tempos de redes sociais, a citação colou em Pina como se ela tivesse sido sua autora.

A história não é bem essa. O mote foi dito por uma garota de 12 anos, um pedido para a coreógrafa alemã acompanhar um grupo de ciganos dançando, durante uma viagem da companhia à Grécia. 

Mas expressa perfeitamente a visão de Pina sobre a sua arte: “Trata-se da vida e, portanto, de encontrar uma linguagem para a vida”.

Nefés
Teatro Alfa, rEm meio a crise sucessória, grupo de Pina Bausch encena ‘Nefés’ . Bento Branco de Andrade Filho, 722. Qui. (29), às 21h, sex. (30), às 21h30, sáb. (1º/12), às 20h, e dom. (2/12), às 18. Ingr.: R$ 75 a R$ 225, em ingressorapido.com.br. Livre

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